625 - Enunciado nº 385 da Súmula do Colendo Superior Tribunal de Justiça: antecedentes, divergência e análise do seu efetivo alcance


IGHOR RAPHAEL DAS NEVES AMORIM [*] - Escrevente Judiciário do TJSP



Resumo

 

Este artigo tem por objetivo analisar o enunciado n.º 385 da súmula do Superior Tribunal de Justiça, no que toca à real matéria que visou a disciplinar. Para isso, impõe-se primeira reflexão sobre o crédito comercial enquanto componente do patrimônio imaterial do indivíduo e a possibilidade de o seu comprometimento caracterizar dano à pessoa, do que decorre a necessidade de grande cabedal para quem se dispõe a gerenciar esse tipo de informação. Passado isso, pretende-se discorrer sobre a evolução do controle de crédito, os problemas atuais que envolvem as transações de consumo, a súmula enquanto mecanismo de otimização da jurisdição para, por fim, orientar para quais casos o instrumento tratado no título é de utilização correta.

 

Palavras-chave: Súmula. Dano moral. Crédito. Restrição.

 

 

Diversos fatores verificados nas duas últimas décadas contribuíram para a situação que aqui será versada. Merecem referência a consolidação da reparabilidade extrapatrimonial no texto constitucional e na lei substantiva civil, o aumento da oferta de crédito e a facilitação dos meios de compra, coroando-se os virtuais; a falta de maturidade em parte dos consumidores para uso de crédito, assim como a estrutura dos entes comerciais despreparada para atender de forma adequada a crescente demanda de usuários.

 

Sob o prisma prático, também há de se considerar que os órgãos jurisdicionais, na maior parte, defrontam-se com capacidade de trabalho saturada, sendo generalizada a cultura do litígio, o que premiu a busca por meios de otimização das atividades afetas à jurisdição.

 

Adentrando no tema que dá suporte a este trabalho, tem-se que a inadimplência, enquanto risco, é elemento que compõe o preço das mercadorias e serviços, interfere no montante de encargos remuneratórios sobre operações financeiras e está diretamente relacionada à continuidade das atividades comerciais, visto que ao atingir patamar substancial, compromete a manutenção do ente mercantil.

 

Visando ao controle do fornecimento de crédito, remonta ao ano de 1955 a criação do primeiro serviço de proteção comercial, consistente no primeiro cadastro restritivo de crédito a inadimplentes, provido pela Associação Comercial de São Paulo – ACSP. A iniciativa foi exitosa e o advento da informática facilitou e difundiu a consulta prévia ao fornecimento de crédito, inculcando no comércio regra pela qual quem não honrou anterior compromisso de liquidação a prazo, enquanto não quitá-lo, não terá nova oportunidade de pagamento parcelado.

 

Assim, a obtenção de crédito na praça tornou-se diferencial entre indivíduos – uns podem e outros não, de modo que a detenção da referida possibilidade incorporou-se ao patrimônio imaterial da pessoa. Nesse sentido é a observação feita por Antonio Jeová Santos, dando conta de que, hoje, a informação sobre o conceito do pretenso cliente é determinante para a ultimação das relações comerciais. Vejamos:

 

“A informação, em sua forma moderna, é poder. Transformou-se em dominação. Não mais a informação necessária para melhor aquilatar o mundo em que se vive. Não apenas a informação dos livros, nem dos bancos acadêmicos, nem em cursos de especialização, suscetíveis de ensejar melhor desempenho profissional, ou até aquela transmitida pelos jornais acerca dos acontecimentos do mundo, nem aquela praticada em tom de espionagem, mas a informação sobre as condições pessoais de alguém, necessária para a movimentação financeira buscada, de ordinário, para a concessão de créditos, para o recebimento de um cheque, ou, até, para efetivar a compra com qualquer tipo de cartão. Se, antes, o comerciante zeloso e que não queria ser surpreendido com um cheque desprovido de fundos, utilizava-se do telefone para saber qual o conceito do cliente e se poderia receber o cheque por ele emitido, atualmente, basta acessar o computador, ou preencher o cheque em máquina que está acoplada a terminais. Ao mesmo tempo em que o cheque é preenchido, a vida comercial do cliente é esmiuçada e vista sobre a possibilidade de receber o cheque, ou não. E, assim, os negócios vão se desenvolvendo, na velocidade exigida pela vida moderna” [1].

 

Corolário disso é que a vulneração do crédito com a indevida privação do crédito passou a ser encarada como lesão à intimidade e, como tal, passível de ser reparada por meio de indenização.

 

Nessa linha, os Tribunais viram-se abarrotados de processos cujo objeto era o pleito indenizatório decorrente de indevida privação de crédito advinda, em geral, de duas causas: ausência de prévia notificação de que o nome da pessoa seria incluído no cadastro de inadimplentes; e débito decorrente de crédito obtido mediante fraude.

 

A primeira hipótese encontra suporte no artigo 43, § 2º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que estabelece que “a abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele”. Escorando-se na regra referida, efetivos devedores ingressaram com ações contra as pessoas jurídicas responsáveis pelos cadastros restritivos, alegando violação ao disposto na lei consumerista pelo simples fato de não haver sido enviada notificação precedente à negativação.

 

De certo modo, a tese faz sentido, uma vez que a solicitação feita pelo credor para que o nome do devedor seja disponibilizado no rol de inadimplentes não é imediatamente efetivada. Inicialmente, é feita uma inclusão em cadastro primário, pela qual o serviço arquivista deve enviar aviso escrito ao devedor, comunicando o apontamento feito e concedendo prazo para regularização da pendência. Somente depois de terminado o prazo sem a liquidação do débito é que a anotação é disponibilizada para consulta por quaisquer dos estabelecimentos conveniados ao sistema.

 

Logo, malgrado a ciência do devedor quanto à existência do débito (quando legítimo, é claro), a ausência de notificação retira do inadimplente a oportunidade de liquidar a dívida antes de ter seu crédito comprometido. Deve-se ter em conta, nessa parte, que os gestores de cadastro de consumidores são expressamente reputados pela Lei n.º 8.078/90 como entidades de caráter público (cf. artigo 43, § 4º); e que a proteção dos interesses econômicos e a melhoria na qualidade de vida do consumidor são objetivos da política nacional de consumo, prevista no artigo 4º, caput, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. Daí a importância do prévio aviso.

 

A segunda hipótese descrita como causa do elevado número de ações judiciais sobre o tema guarda íntima relação com o dito no início deste trabalho. O incremento na oferta de crédito e a facilitação de sua efetivação virtual tornou-se terreno fecundo para a ocorrência de fraudes.

 

Atualmente, lojas de departamentos e grandes redes de varejo oferecem cartões de crédito com seus nomes vinculados na tarjeta, permitindo a utilização não só no próprio estabelecimento, mas também no comércio em geral. São esses os grandes alvos da ação criminosa, pois a experiência revela que essa contratação muitas vezes não observa a devida cautela e acaba por fornecer crédito a sujeito que usa documentos com dados pertencentes a outra pessoa.

 

Logrando êxito na fraude com a sobrevinda da emissão do cartão, o marginal realiza compras diversas, esgota o limite de crédito e, obviamente, não quita a respectiva fatura – que sequer chega ao endereço da vítima, porquanto o informado perante o comércio é diverso do verdadeiro. Igualmente, o aviso enviado pelo ente responsável pelo cadastro de inadimplentes também não chega ao devedor vítima da fraude, que somente toma conhecimento do apontamento negativo quando tenta realizar compra a prazo e tem o crédito negado.

 

Em termos processuais, para a primeira hipótese aqui tratada (falta de notificação), a parte legítima para figurar no polo passivo é a gestora do cadastro de inadimplentes, tais como a “SERASA”, o “Serviço Central de Proteção ao Crédito – SCPC” e a “Associação Comercial de São Paulo – ACSP”. Já quanto à segunda possibilidade (inadimplência de crédito fornecido mediante fraude), a pertinência subjetiva passiva da ação reside com o ente comercial que reclama a dívida, dada a sua incúria no procedimento de contratação, em prestígio à teoria do risco do negócio [2].

 

Vistos tais antecedentes, convém fixar que, embora haja pedido indenizatório coincidente nos dois casos, cuidam-se de duas causas de pedir distintas: falta de aviso de negativação sobre débito legítimo e negativação indevida decorrente do não pagamento de dívida havida por fraude.

 

As decisões judiciais que deslindavam tanto um, quanto outro tipo de caso, em geral, compunham dois grupos: o das que reconheciam a ocorrência do dano moral in re ipsa, vale dizer, presumidos e decorrentes da pura e simples verificação do apontamento negativo [3]; e o das que levavam em consideração a existência de outras restrições a desabonar o nome da pretensa vítima, fator esse invocado para afastar o dever de indenizar.

 

Ocorre que a segunda corrente – a dos que consideravam a existência de outras restrições – aplicava tal entendimento tanto nos casos de apontamento desprovido de prévia notificação, quanto nos derivados de débito fraudulento.

Havia, portanto, divergência de entendimentos. Não se definira se o dano moral nos casos indicados era decorrente da simples ocorrência do fato irregular ou se dependia de apuração de outras circunstancias; tampouco se havia distinção entre os casos de fraude e os de irregularidade formal por parte do arquivista.

 

O Colendo Superior Tribunal de Justiça, na esteira de seu mister de guardião e intérprete por excelência da legislação federal infraconstitucional comum, e com vistas à uniformização da jurisprudência capitulada no artigo 476 e seguintes do Código de Processo Civil, em 27 de maio de 2009 editou o enunciado n.º 385 de sua súmula, ao qual foi dada a seguinte redação: “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento”. Note-se que da leitura do verbete não se extrai qual das situações anteriormente descritas buscou-se disciplinar, ou se ambas.

 

O escopo das súmulas dos Tribunais remete à doutrina da common law [4]. Conquanto, aqui, não se anule o direito positivo (ao menos os enunciados não vinculantes não podem fazê-lo), a edição das súmulas transforma a dicção das cortes em fundamento decisório muito mais robusto do que a jurisprudência esparsa. Um acórdão pode materializar um precedente, um entendimento isolado de determinada turma ou câmara; enquanto o enunciado de súmula representa a consolidação do posicionamento dominante da corte, sendo que ela não mais se pronunciará de forma diversa, ressalvado o cancelamento do enunciado. Daí a seriedade da questão, pois a equivocada aplicação de um entendimento consolidado pode gerar consequências assoladoras ao efetivo destinatário do serviço da jurisdição.

 

Cabe pontuar que os enunciados dos Tribunais Superiores, embora desprovidos do atributo vinculante, acabam por ser inicialmente incontrariáveis em algumas ocasiões, v.g., a descrita no artigo 557, caput [5], e § 1º-A [6], do Código de Processo Civil; ou na obediência ao artigo 518, § 1º, do mesmo diploma, que dispõe que “o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal”.

 

O sistema jurídico pátrio pode haver visto com bons olhos os instrumentos de uniformização de entendimentos. Contudo, sem o pleno amadurecimento das figuras jurisdicionais, que foram moldadas em cultura diversa daquela estruturada na common law, compromete-se o acerto dos julgamentos comparativos, uma vez que não foi plenamente despertada a técnica de apurar se dado caso concreto adequa-se, ou não, à premissa fática do julgamento tomado como paradigma.

 

Isso faz com que um enunciado concebido para resolver certa classe de litígios acabe sendo invocado para a solução de outras; e a difusão dessa interpretação imprecisa gera o menos esperado resultado de uma súmula, que é o dissídio decorrente dela própria.

 

Com o enunciado n.º 385 ocorreu justamente isso, fato que as cortes intermediárias não se escusavam reconhecer, a exemplo da Seção de Direito Privado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que em 09/03/2012 publicou nota com o título “A controvertida súmula 385 do STJ”, na qual se pontuou o seguinte:

 

“A partir da Súmula, há duas interpretações antagônicas: 1) As anotações anteriores obstam os pleitos de indenização por dano moral; 2) As anotações anteriores não obstam a indenização, pois não se justifica o agravamento injusto da restrição, já que o dano moral decorre do próprio registro de fato inexistente. Eventual aclaramento da Súmula contribuirá, evidentemente, para a uniformização no julgamento desta relevante questão, que afeta os consumidores e gera inúmeros processos” [7].

 

A leitura do inteiro teor da súmula do Colendo Superior Tribunal de Justiça [8] indica quais foram os acórdãos precedentes à elaboração do enunciado n.º 385 da Corte [9], sendo que todos eles fundam-se na seguinte premissa: é ilegal a inscrição de nome de devedor nos serviços de proteção ao crédito sem a notificação prévia exigida pelo artigo 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor. Some-se a isso que o artigo 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor consta como referência legislativa do enunciado em questão.

 

Logo, não há dúvida de que o verbete “da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento” refere-se, tão somente, aos casos de falta de notificação prévia à anotação de débito legítimo. Confira-se excerto de um dos julgados tomados como paradigma:

 

“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C.C PEDIDO DE CANCELAMENTO DE INSCRIÇÃO NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO -  CANCELAMENTO DAS ANOTAÇÕES NÃO PRECEDIDAS DE COMUNICAÇÃO AO CONSUMIDOR, NOS TERMOS DO ART. 43, § 2º, DO CDC - VERIFICAÇÃO - EXISTÊNCIA DE OUTROS REGISTROS - DANO MORAL DESCARACTERIZADO - INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA/STJ - AGRAVO IMPROVIDO” [10].

 

Importa ressalvar que se o débito for ilegítimo, naqueles casos de fraude, o simples fato de a notificação não chegar ao endereço da vítima não induz à responsabilidade do órgão arquivista, desde que este prove que remeteu comunicação ao endereço informado pelo credor.

 

Dessa forma, revela-se, na nossa concepção, inadequado invocar o enunciado n.º 385 do Superior Tribunal de Justiça como razão de decidir pela improcedência do pedido indenizatório nos casos em que vítima de fraude tem nome inscrito em cadastro restritivo de crédito já possuindo outras anotações legítimas.

 

O percurso a tal conclusão inicia-se com a leitura do inteiro teor da súmula do Colendo Superior Tribunal de Justiça, cautela que merecia haver sido observada com maior difusão pelos órgãos jurisdicionais, o que decerto evitaria a invocação de um fundamento decisório inadequado à questão posta em lide. Frise-se que não se questiona a solução elegida pelo julgador, qualquer que seja, mas apenas pondera-se que se o magistrado opta por utilizar uma súmula, é recomendável que o faça apenas nos casos para os quais ela foi destinada.

 

Assim, não se diz que, nos casos de fraude, o magistrado não possa negar o pedido indenizatório ao argumento de que, em desfavor da vítima, havia outras anotações sobre as quais não pendiam dúvida de legitimidade. O livre convencimento motivado do julgador pode – na nossa opinião, de forma acertada – dirigir-se no sentido de que ainda que inexistisse o apontamento indevido, o crédito daquele que se reputa vítima estaria igualmente cerceado.

 

A questão aqui posta é de cunho pragmático: não é tecnicamente adequado empregar o enunciado n.º 385 do STJ como fundamento decisório às situações concretas nascidas de negativação por não pagamento de débito contraído mediante fraude. Na prática, pode-se traduzir que o enunciado n.º 385 da súmula do C. STJ só é pertinente às lides que envolvam os mantenedores de cadastros restritivos de crédito.

 

Cinge-se, portanto, o alcance do termo “anotação irregular” àquela efetuada sem a prévia notificação do devedor, não se podendo tomá-lo como expressão sinônima de “anotação por débito contraído mediante fraude”. “Legítima inscrição preexistente”, por sua vez, é aquela realizada com o prévio aviso do devedor.            

 

Consequentemente, para os casos de negativação decorrente do não pagamento de operação creditícia fraudulenta, o enunciado n.º 385 não é óbice para a concessão de indenização por dano moral, ressalvado, como já dito, entendimento no sentido de que o agravamento da negativação (se existentes outras, legítimas), por si só, não gera lesão extrapatrimonial.

 

Passados anos de divergência nas cortes intermediárias, o STJ reiteradamente declara o entendimento a respeito da matéria, como se extrai, especialmente, de aresto de lavra do Ministro Sidnei Beneti, não deixando dúvida quanto ao aqui exposto:

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AÇÃO PROPOSTA CONTRA A INSTITUIÇÃO FINANCEIRA QUE EFETIVOU A INSCRIÇÃO. SÚMULA 385/STJ. INAPLICABILIDADE. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. IMPROVIMENTO. A aplicação da Súmula 385 desta Corte se restringe às hipóteses em que a indenização é pleiteada contra órgão mantenedor de cadastro de proteção ao crédito, que anota o nome do devedor no cadastro sem o envio da comunicação prévia prevista no artigo 43, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor [11].

 

Induvidoso, pois, o sentido do enunciado n.º 385, direcionado a disciplinar lides que envolvam entes gestores de cadastro de maus pagadores.

 

Não obstante isso, ainda são numerosas as recentes decisões, mesmo em sede de segundo grau, nas quais se aplicam o teor do enunciado n.º 385 aos casos de inscrição indevida em cadastro restritivo de crédito em virtude de operação fraudulenta. À guisa de estudo, com respeito e acatamento aos pronunciamentos judiciais em referência, confira-se:

“APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS POR INSCRIÇÃO NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES. - A existência de outros cadastros negativadores ao bom nome da pessoa é causa da exclusão da responsabilidade por abalo imaterial. Inteligência da Súmula 385 do STJ. APELO DESPROVIDO” [12].

 

“RESPONSABILIDADE CIVIL – DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INSTITUIÇÃO BANCÁRIA – FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO – DANO MORAL – REGISTRO PREEXISTENTE – NÃO CABE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL EM RAZÃO DA ANOTAÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES, QUANDO EXISTENTE INSCRIÇÃO ANTERIOR – APLICAÇÃO DA SÚMULA 385 DO STJ – NEGOU-SE PROVIMENTO AOS RECURSOS – SENTENÇA MANTIDA” [13].

 

“APELAÇÃO. TELEFONIA FIXA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. NEGATIVAÇÃO INDEVIDA. FRAUDE. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONTRATUAL. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO, DECLARANDO A INEXISTENCIA DO DÉBITO, MAS DEIXANDO DE ACOLHER O PLEITO INDENIZATÓRIO COM BASE NA SÚMULA Nº 385 DO STJ. APELO DO AUTOR, PUGNANDO PELA CONDENAÇÃO DO RÉU AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. NEGATIVAÇÃO PREEXISTENTE ILEGÍTIMA, EIS QUE DECORRENTE TAMBÉM DE FRAUDE. DANO MORAL DEVIDO. SENTENÇA REFORMADA” [14]. 

 

Verifica-se que ainda é forte a corrente que, irrefletidamente, afasta a punição ao responsável por fraude em relação de consumo tomando como fundamento o enunciado n.º 385 do STJ, o que acaba suscitando, perante as cortes revisoras, discussão que poderia ser evitada no ato de prolação da sentença.

 

Quando o julgador apega-se a um fundamento que não pertine à questão posta em lide, ainda que o resultado prático do julgado esteja correto, dá margem a um debate puramente formal sobre o julgado, o que é contraproducente diante da atual situação dos tribunais pátrios. As cortes já trabalham abarrotadas, reféns da cultura do litígio e dos recursos protelatórios, de modo que, quanto mais precisas forem as sentenças de primeiro grau, mais estreitas serão as possibilidades de debate.

 

Em síntese, se a causa de pedir é o apontamento negativo por débito que o consumidor, vítima de fraude, desconhece, a ação deve ser dirigida contra a pessoa jurídica que concedeu o crédito e requereu a negativação. Nesses casos, nada há de se falar sobre o enunciado n.º 385, podendo o juiz, se verificar a existência de outros apontamentos legítimos, entender que o dano moral não ocorreu.

 

Por outro lado, se a causa de pedir for o apontamento negativo sem a realização de prévia notificação, ainda que sobre débito legítimo, a ação deve ser dirigida contra o mantenedor do cadastro. Tal situação gera dano moral, a não ser que existam outras pendências, das quais o devedor haja sido regularmente notificado, nos termos do enunciado n.º 385 da súmula do Colendo Superior Tribunal de Justiça.

 

O Superior Tribunal de Justiça visualizou que o enunciado n.º 385 padece de utilização imprópria em razão do número de Recursos Especiais que recebe tendo por objeto do debate sobre sua incidência nos casos de fraude. Nessas hipóteses, como visto acima, faz questão de ser taxativo quanto ao real alcance do enunciado. Entretanto, o caminho inverso não se verifica, pois não se nota que os mais numerosos usuários da súmula – juízes singulares e órgãos colegiados intermediários – acompanhem o pronunciamento do editor da súmula. Simples pesquisa em repositório atualizado confirma o que aqui se teoriza.

 

Não se pode perder de mira que a súmula não é só o verbete em si, e sua utilização exige a leitura e compreensão de seu inteiro teor, que contém as decisões tomadas como paradigma e os dispositivos legais com os quais se relaciona. Receber uma boa ferramenta, mas não entender onde ela se encaixa, faz da ferramenta engenhoca inútil, ou, pior, dá margem resultados ruins decorrentes da sua má utilização.

 

É por tudo isso que se apregoa o apreço pela boa técnica, mas, especialmente, busca-se com presente artigo, ainda que de forma singela, despertar a reflexão quanto à necessidade de analisar de forma detida os enunciados jurisprudenciais, a fim de que se efetivem como mecanismos de otimização da justiça, e não como fontes de dúvidas que dificultam a evolução do sistema judiciário.

 

Referências

 

[*] O autor é bacharel em Direito pela Universidade Católica de Santos. Escrevente Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Aluno da Escola Paulista da Magistratura (EPM – TJSP). Contato: ighoramorim@tjsp.jus.br.

 

[1] SANTOS, Antonio Jeová. Dano Moral Indenizável. 3ª ed. São Paulo: Método, 2001. p. 467.

 

[2] A esse respeito: “Absolutamente irrelevante, para efeito de fixação de responsabilidade civil, que terceiro se tenha feito passar pela autora, iludindo prepostos da vendedora. Não se poderia sequer alegar que o ilícito ocorreu por fato de terceiro, eximente que quebraria o nexo de causalidade. Na lição clássica de Agostinho Alvim, ocorreu fortuito interno ligado à própria atividade geradora do dano, ou à pessoa do devedor e, por isso, leva à responsabilidade do causador do evento. Somente o fortuito externo, ou força maior, é que exoneraria o devedor, mas exigiria fato externo, que não se liga à pessoa ou empresa por nenhum laço de conexidade (Da Inexecução das Obrigações e suas Consequências, Saraiva, 1.949, p. 291). Em resumo, a contratação em massa de consultoras gera o risco de cadastramentos falsos, de modo que o dano não pode ser absorvido pela vítima, em proveito de quem o gerou para auferir vantagens econômicas (TJSP – 4ª Câmara de Direito Privado – Apelação n.º 0147100-52.2006.8.26.0000 – Rel. Des. FRANCISCO LOUREIRO – j. 29.11.07).

 

[3] Da jurisprudência do C. STJ anterior ao enunciado n.º 385 da referida Corte tira-se: REsp 720995/PB, Ministro BARROS MONTEIRO; REsp 640196/PR, Ministro CASTRO FILHO; REsp 718618/RS, Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO; REsp 595931/RS, Ministro CÉSAR ASFOR ROCHA; entre outros.

 

[4] “[...] tradição dos povos anglo-saxões, nos quais o Direito se revela muito mais pelos usos e costumes e pela jurisdição do que pelo trabalho abstrato e genérico dos parlamentos. Trata-se, mais propriamente, de um Direito misto, costumeiro e jurisprudencial. Se, na Inglaterra, há necessidade de saber-se o que é lícito em matéria civil ou comercial, não há um Código de Comércio ou Civil que o diga, através de um ato de manifestação legislativa. O Direito é, ao contrário, coordenado e consolidado em precedentes judiciais, isto é, segundo uma série de decisões baseadas em usos e costumes prévios” (REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 142).

 

[5] “O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior”. A título de exemplo, confira-se: “Decisão recorrida que, ademais, está em conformidade com o enunciado da Súmula 380, do STJ, segundo a qual ‘A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora’. Ante o exposto, NEGA-SE SEGUIMENTO ao recurso, com fundamento no art. 557, “caput”, do Código de Processo Civil (TJSP – 23ª Câmara de Direito Privado – Agravo de Instrumento n.º 2076477-45.2014.8.26.0000 – Rel. Des. PAULO ROBERTO DE SANTANA – j. 16.05.14).

 

[6] “Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso”.

 

[7] Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br/Institucional/SecaoDireitoPrivado/Doutrina/Doutrina.aspx?Id=2094> Acesso em: 14 mai. 2014 às 00h12.

 

[8] Disponível em: < http://www.stj.jus.br/docs_internet/SumulasSTJ.pdf> Acesso em: 15 mai. 2014 às 00h08.

 

[9] AgRg no REsp 1046881/RS; AgRg no REsp 1057337/RS; AgRg no REsp 1081404/RS; AgRg no REsp 1081845/RS; REsp 992168/RS; REsp 1002985/RS; REsp 1008446/RS; e REsp 1062336/RS.

 

[10] STJ – 3ª Turma – REsp 1081845/RS – Rel. Min. MASSAMI UYEDA – j. 04.12.08

 

[11] STJ – 3ª Turma – REsp 1432658/MG – Rel. Min. SIDNEI BENETI – j. 27.03.14.

 

[12] TJRS – 17ª Câmara Cível – Apelação Cível n.º 70059651794 – Banco Santander Brasil S.A. x L.F.S. – Rel. Des. GELSON ROLIM STOCKER – j. 29.05.14.

 

[13] TJDFT – 3ª Turma Cível – Apelação n.º 20120111571645APC – Rel. Des. SILVIA LEMOS – j. 15.05.14.

 

[14] TJRJ – 26ª Câmara Cível e do Consumidor – Apelação n.º 00110044-61.2012.8.19.0205 – Rel. Des. JUAREZ FOLHES – j. 05.06.14.


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