Princípios do Direito Internacional Econômico são analisados em aula na EPM

O mundo globalizado, baseado na interdependência entre as nações e na necessidade de cooperação multilateral para o comércio, teve suas bases em um encontro de chefes de Estado, realizado na cidade de Bretton Woods, New Hampshire (EUA), em julho de 1944, que fundou uma nova ordem econômica mundial. Este aspecto histórico foi um dos tópicos abordados pelo professor Paulo Lilla (foto), no último dia 22, na aula “Direito Internacional Econômico – princípios fundamentais”, do 1º Curso de especialização em Direito Internacional da EPM, que contou com a participação da juíza Fernanda Galizia Noriega, coordenadora do curso.

 

Inicialmente, o professor esclareceu que o Direito Internacional Econômico (DIE) é um ramo do Direito Internacional Público, um conjunto de normas que regulam as relações jurídicas entre Estados e organizações internacionais. Além desses sujeitos, esse ramo do Direito também considera, na modernidade, as empresas multinacionais – por seu papel econômico relevante, cujo valor patrimonial muitas vezes supera o de alguns países –, e algumas pessoas físicas, tais como os chefes de Estado, pela dimensão de seus atos. De acordo com Paulo Lilla, é esse fenômeno que explica a relativização cada vez maior entre as esferas do Direito Público e do Privado, também observada no DIE, já que as regras e princípios que se aplicam aos Estados afetam indiretamente os agentes privados. “Os protagonistas das trocas comerciais são as empresas que atuam no âmbito do comércio internacional, responsáveis pelos fluxos de bens e serviços, de capitais e investimentos”, ponderou.

 

Ele explicou que, em sentido amplo, o DIE contempla as relações jurídicas entre Estados, entre Estados e Organizações Internacionais (OIs), entre OIs, entre Estados e agentes privados, e entre agentes privados. Já em sentido estrito, alicerça-se nos princípios e nas noções fundamentais do Direito Internacional Público, quais sejam, igualdade soberana dos Estados (que muitas vezes é confrontada com uma desigualdade de fato que impera nas relações internacionais), a interdependência e a cooperação internacional, a nacionalidade, a territorialidade, a ponderação entre interesses nacionais e internacionais, o respeito pelos direitos humanos e a resolução pacífica de conflitos, através de mecanismos de solução de controvérsias à disposição na Organização Mundial do Comércio (OMC), Mercosul e Nafta. Ponderou, contudo, que “muitas vezes os sistemas se sobrepõem e temos situações de conflito de jurisdição entre esses órgãos de solução de controvérsias”.

 

Adiante, Paulo Lilla delimitou as relações entre Direito Internacional Econômico (Público) e Direito do Comércio Internacional (Privado). De acordo com o professor, o DIE abarca a liberalização do comércio internacional (consubstanciada na eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias e de barreiras aos investimentos estrangeiros e ao comércio de serviços); os acordos negociados no âmbito da OMC; os acordos preferenciais de comércio bilaterais e regionais, realizados pela União Europeia, Mercosul, Nafta, etc.; e os acordos de investimento entre Estado e agente privado, havendo, neste último caso, dúvida sobre a natureza pública ou privada do direito.

 

Já o âmbito do Direito do Comércio Internacional, marcado por conflitos de leis no espaço, comporta os contratos internacionais, a arbitragem comercial Internacional como meio alternativo de solução de controvérsias, tendo em vista a busca de maior segurança e previsibilidade, ante o receio de muitas empresas diante do desconhecimento do sistema judiciário dos países em que investem.

 

Repassando a história do DIE, o professor discorreu sobre a ordem econômica que se formou a partir da Segunda Guerra Mundial, quando esse ramo do Direito passou a ter relevância como matéria. Explicou que, até esse evento, as questões econômicas dos Estados eram tratadas apenas no âmbito interno. Havia pouca cooperação internacional em termos econômicos, e Estados autossuficientes tratavam dos temas econômicos e monetários, na esfera de sua soberania.

 

“Para entender o que está por trás dessa nova ordem econômica, devemos voltar ao fim do século XIX, com o declínio do Império Britânico e a ascensão dos EUA como grande potência no começo do século XX, a crise profunda marcada pela Grande Depressão. Este evento levou às medidas protecionistas dos EUA, deflagrando uma série de conflitos comerciais, e a ascensão dos nacionalismos exacerbados nazifascistas, que culminaram na Segunda Guerra Mundial. Após a Segunda Guerra, as nações chegaram ao consenso de que algo precisava ser feito para salvar a economia mundial. E salvar a economia mundial significava salvar o sistema capitalista diante da ascensão do Socialismo liderado pela União Soviética”, ensinou Paulo Lilla.

 

De acordo com o professor, as premissas do tratado internacional realizado em Bretton Woods, ancoravam-se no tripé da criação do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) e da Organização Internacional do Comércio (OIC). Em relação às funções desses órgãos, explicou que o FMI, adotando o dólar como moeda-chave do sistema, regularia o sistema monetário internacional para evitar as crises cambiais, mediante empréstimos de emergência a países em crise. O BIRD destinava-se, em princípio, ao financiamento da restauração da Europa e, posteriormente, ao financiamento das obras de infraestrutura nos países em desenvolvimento.

 

A OIC, por sua vez, visava a liberalização do comércio internacional para as trocas baseadas em vantagens comparativas, buscando maior eficiência na produção e na circulação de bens por meio de redução e até mesmo eliminação de tarifas aduaneiras. Entretanto, o desdobramento da ideia da OIC, que previa a igualdade de voto no sistema, materializada na Carta de Havana, de 1948, não foi ratificada pelos EUA, sob o argumento de que cederiam parte substancial de sua soberania, o que inviabilizou o acordo, subsistindo apenas o FMI e o BIRD.

 

Antes da inviabilização da OIC, havia sido criado o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), sigla correspondente a Acordo Geral de Tarifas e Comércio, em 1947, para servir como um acordo provisório sobre tarifas e regras comerciais, enquanto uma verdadeira organização não fosse implementada. Ratificado por 23 países, inclusive o Brasil, acabou assumindo o caráter de organização internacional e sendo o instrumento que de fato regulamentou o comércio internacional durante décadas, através de sucessivas rodadas de acordos multilaterais.

 

Os avanços e os contrafluxos dos acordos multilaterais

 

Conforme recordou Paulo Lilla, a última rodada do GATT, a mais ampla e complexa, iniciada no Uruguai em 1986 e encerrada em Marrakesh, em 1994, foi palco de confronto de interesses entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, polarizando o tema do direito de proteção à propriedade intelectual dos primeiros em face do direito à abertura para exportação agrícola destes últimos. Nessa rodada, foi negociada a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e introduzidos novos temas na pauta de discussões. Além da propriedade intelectual e agricultura, passou-se a discutir serviços, produção têxtil e medidas de investimentos. Também foi implantado nessa rodada um órgão de solução de controvérsias para garantir o fiel cumprimento dos acordos negociados.

 

Contudo, a implementação do sistema multilateral de comércio influenciado pelos ideais do liberalismo econômico e a construção cultural desse Direito não impediram as vicissitudes do sistema de cooperação internacional. O professor discorreu sobre as formas de protecionismo como medidas distorcidas da abertura internacional do comércio de bens e serviços. Entre elas, citou as barreiras de ordem sanitária à importação, que muitas vezes, a pretexto de proteção à saúde da população, visam à restrição comercial a produtos agropecuários oriundos das nações em desenvolvimento. Paulo Lilla falou, também, sobre o dumping, que é a redução de preços de produtos para exportação, minando a capacidade competitiva da indústria do país importador.

 

Segundo o professor, remanesce o confronto polarizado entre os interesses da coalizão de países industrializados e em desenvolvimento pelo fluxo de bens e serviços. “Assistimos um deslocamento das discussões do âmbito multilateral para o plano regional, o que tem inviabilizado o consenso nas rodadas pelos interesses conflitantes. De maneira que a OMC, hoje composta por 160 países, tem servido muito mais como um foro de solução de controvérsias pontuais sobre acordos já negociados do que de acordos multilaterais para redução de tarifas como foi na era do GATT”.

 

Apesar dos impasses e estagnações verificados na última rodada para negociações multilaterais, iniciada em Doha, Qatar, em 2001 – e ainda não encerrada –, o professor comentou que, embora a paz e o bem estar social buscados a partir das conferências de Bretton Woods constituam um discurso ideológico, o fato é que verificou-se, após sua formulação, a pacificação de confrontos econômicos e políticos históricos entre nações, como os da França e Inglaterra. Além disso, se antes havia tarifas comerciais internacionais bastante elevadas, o volume caiu drasticamente após o início dessas negociações.

 

Paulo Lilla encerrou a aula discorrendo sobre os desafios da contratação internacional – cuja principal característica é ser vinculada a dois ou mais ordenamentos jurídicos nacionais –, tais como as diversas espécies de riscos inerentes ao comércio internacional globalizado, e os meios que vem sendo criados para diminuição de seu potencial lesivo.

 

ES (texto)

 


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