EPM inicia curso “Sistema de Direito Civil”

A aula magna “Sistema de Direito Privado – axiologia do Direito Civil”, ministrada pelo jurista José Manoel de Arruda Alvim Netto, deu início, no último dia 22, ao curso Sistema de Direito Civil da EPM. A aula contou com a participação dos desembargadores Nestor Duarte, coordenador da área de Direito Civil da EPM, Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery, coordenadora do curso, e Roque Antonio Mesquita de Oliveira, aluno do curso.

 

Nestor Duarte saudou os alunos presentes e a distância e declarou o objetivo do curso, que é oferecido exclusivamente para magistrados, qual seja, “trazer os colegas para o convívio na EPM e discutir as inovações do Código Civil de 2002”.

 

Rosa Maria Nery qualificou o curso como uma jornada de estudos preparada para reavivar os fundamentos do Direito Privado. E destacou o renome internacional do palestrante, “um formador de ideias e opiniões, professor da maioria dos mestres e doutores em Direito que estão ministrando aulas Brasil afora”.

 

Nas considerações iniciais, Arruda Alvim Netto ensinou que o sistema de Direito Privado transcende o Código Civil de 2002, ainda que este seja núcleo daquele. E esclareceu ao que vinha o termo “axiologia”, que significa estudo de valores: “Tratando-se do objeto jurídico, a axiologia procura identificar o justo numa determinada ordem jurídica. E é isto que faremos ao procurar descrever o sistema. Numa outra vertente, compararemos o sistema do CC de 2002 com o sistema do CC de 1916.”

 

O palestrante esclareceu que o CC, elaborado por diversos juristas desde a década de 1970, conforma uma unificação das disposições obrigacionais do Direito Privado adaptadas aos novos tempos do Estado Social de Direito. “O professor Miguel Reale, que foi o coordenador do CC, se utilizou de três palavras, que foram socialidade, eticidade e operabilidade”, afirmou.

 

Adentrando a memória da construção do sistema jurídico civil brasileiro, Arruda Alvim lembrou que o CC de 1916 assimilou o individualismo e a noção de liberdade do liberalismo econômico. E, na esteira da ideologia e da normatividade desse sistema, também consagrou a igualdade abstrata de todos perante a lei.

 

O professor ensinou que, a partir de 1916, o novo sistema de leis buscou acompanhar a evolução de uma sociedade agrária para industrial e, finalmente, para uma sociedade de serviços. “Mostrou-se para a sociedade brasileira, a partir da década de 1960, a inviabilidade de manutenção do vetusto CC, modificando-se pontos absolutamente fundamentais”.

 

De acordo com Arruda Alvim, a linguagem do novo CC utiliza-se bastante de princípios, que são regras jurídicas com fisionomia e função próprias. “Essa linguagem do Direito como fenômeno transitivo contrapõe-se à linguagem minuciosa que se impunha ao juiz no CC de 1916 em uma sociedade burguesa acomodada, porque homogênea”.

 

Importância do intérprete

 

Arruda Alvim enfatizou a importância do papel interpretativo do juiz na base flutuante do novo sistema, cuja precedência está no Direito alemão. De acordo com o professor, é do exercício dessa liberdade interpretativa de caráter sociológico que deriva a utilização de conceitos vagos e indeterminados em seus pontos cardeais, ideia absolutamente impossível no sistema de Direito do século XIX.

 

Nesta perspectiva, ressaltou que a exigência da intelecção interpretativa do magistrado pode ser aferida em várias partes do texto legal, ilustrando a afirmação com o disposto no artigo 2.035, parágrafo único do CC, onde há uma referência à invalidade de negócios jurídicos em que se viole a função social do contrato e da propriedade.

 

A consagração dos princípios e deveres da boa-fé e da colaboração

 

Outro problema complexo tratado pelo palestrante foi aquele relacionado à eficácia direta do Direito Constitucional no plano das relações privadas, que devem ser regidas pelos princípios e deveres da boa-fé e da colaboração consagrados no CC. Segundo ele, essas diretrizes do Estado Social de Direito perfazem modificações profundas no Direito constitucional e civil brasileiro. “Temos no CC uma estrutura que busca neutralizar o individualismo e considera o outro no equacionamento das relações jurídicas”, asseverou.

 

Nesta esteira, outro aspecto comentado por Arruda Alvim foram as mudanças ocorridas nas regras do contrato. Para ilustrar, invocou o artigo 421 do novo CC, cuja redação preconiza que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Ele lembrou ainda que a grande alavanca do contrato no liberalismo foi um irrefutável pacta sunt servanda, segundo o qual o que foi contratado devia ser cumprido. E afirmou que, ao contrário, “no novo sistema, a teoria da confiança e da declaração contrapõe-se à teoria do voluntarismo jurídico”.

 

O palestrante teceu, ainda, considerações sobre a função social do contrato em seus aspectos de onerosidade excessiva e revisão, à luz do disposto nos artigos 317 e 478. 317 do CC, concluindo que “no Brasil, a função social do contrato é um veículo para internar valores constitucionais no plano do Direito Privado.

 

A relativização do caráter absoluto do Direito de Propriedade

 

Outro aspecto comentado por Arruda Alvim foram as profundas modificações sofridas pelo direito de propriedade. “Nas Constituições de 1824 e de 1891, o caráter do direito de propriedade é absoluto, cabendo ao ordenamento jurídico apenas reconhecer e homenagear. Já na Constituição de 1934, encontramos um decreto amenizando o caráter absoluto desse direito, privilegiando a função social. No artigo 1.228, parágrafo 1º, do atual CC, encontramos uma grande massa de limitação ao direito de propriedade, que são os interesses difusos”, ensinou.

 

O professor analisou, a seguir, o tratamento dispensado no novo sistema de leis civis ao direito possessório. “A teoria possessória, consagrada no artigo 485 do CC de 1916, foi reproduzida quase literalmente no CC atual. A posse, estribada no artigo 5º, XXIII da CF, está sendo utilizada para vulnerar o direito de propriedade, ao contrário da noção de antes, em que a posse, a defesa possessória existe para o proprietário, e não para o mero possuidor contrapor-se como situação de fato ao direito de propriedade”, ponderou.

 

Em prosseguimento, tratou dos problemas relacionados com a desconsideração da pessoa jurídica e à proteção dos direitos da personalidade, comentando sua incidência nos textos dos artigos 113, 186, 187 e 422 do CCB.

 

Arruda Alvim lembrou, finalmente, vários aspectos que compõem o Direito Privado. Entre estes, a expansão dos princípios do Direito Privado na Lei de Registros Públicos.

 

ES (texto e fotos)

 

 


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