Proteção aos direitos intelectuais é analisada no encerramento do seminário “Marco Civil da Internet”

A aula “Proteção aos direitos intelectuais – responsabilidade pelo conteúdo disponibilizado e sua retirada”, ministrada pelo desembargador Enio Santarelli Zuliani, concluiu, no último dia 25, o seminário Marco Civil da Internet, na EPM. A exposição contou com a participação do desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez, coordenador do seminário.

 

Enio Zuliani iniciou a preleção discorrendo sobre os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal, os quais permeiam as relações humanas em todas as instâncias da vida pública e privada. Entre os dispositivos constitucionais que tratam da proteção desses valores, no capítulo dos direitos e deveres individuais e coletivos, mencionou os incisos XXVII, XXVIII e XXIX do artigo 5º. Deteve-se na análise mais acentuada dos direitos da personalidade, tais como a honra e a imagem, da liberdade de expressão e seus influxos nas leis específicas, entre as quais aquela objeto de sua exposição, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14), que traça as diretrizes da responsabilização por danos no domínio virtual da internet.

 

“A internet tem o lado positivo, útil e proveitoso, mas há um lado negativo, não só pelo anonimato, mas também pela falta de identificação e localização da fonte do ato nocivo, fenômeno que a transforma num veículo perigoso para destruir reputações e também, no que diz respeito à propriedade intelectual, para interferir no ciclo mercantil das marcas, patentes e nome comercial. São contrafações passíveis de responsabilização civil – o campo do Direito que trata da obrigação de indenizar. Eu enfatizaria não propriamente a obrigação de indenizar, mas a política de prevenção e contenção do dano, que é uma fase contemporânea da evolução do Direito Civil. Temos que nos preocupar não só com a pessoa física que sofre difamações e injúrias na internet, mas também com aquela que é lesada na propriedade industrial, que é a propriedade e os direitos intelectuais”, ponderou o palestrante.

 

Em relação ao conceito de direitos intelectuais, Enio Zuliani explicou que a maior parte dos direitos decorre do vínculo pessoal ou real, sendo de natureza obrigacional ou real. Outros, contudo, surgem por razões abstratas; brotam da alma, do intelecto, e da propriedade industrial e não são, em um primeiro momento, corpóreos. Entre os dispositivos de proteção às criações do intelecto, ele citou a Lei 9.609/98 (software), a Lei 9.610/98 (direitos autorais) e a Lei 9.279/96 (marcas, desenho industrial, modelos de utilidade e nomes de domínio).

 

No que diz respeito à teleologia das criações do intelecto, o professor ensinou que “as criações artísticas não são produzidas para serem guardadas ou usufruídas por poucos privilegiados. São destinadas ao público e, por isso, são divulgadas, saboreadas e exploradas. A ordem jurídica busca proteger os autores e titulares dos direitos de propriedade industrial para garantir os efeitos patrimoniais e morais das obras protegidas”.

 

O Marco Civil e a proteção da propriedade intelectual

 

Adiante, Enio Zuliani passou a comentar a disciplina legal do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14). Na opinião do palestrante, ainda é muito cedo para opinar sobre a perspectiva da aplicação da lei e de sua eficácia, “pois tudo é ainda muito nebuloso”. Entretanto, declarou “a confiança em que os operadores do direito façam a sua parte e produzam o debate para que nós possamos chegar ao resultado esperado.”

 

O professor asseverou que, da leitura dos artigos 18 e 19 do Marco Civil da Internet, que traça os limites da responsabilização civil por danos do provedor de conexão e de aplicação na internet, este último redigido com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, a primeira impressão é que o legislador procurou salvaguardar os interesses dos provedores.

 

Sob este aspecto, indagou se, de acordo com a lei, seria razoável considerar o provedor acobertado pelo exercício regular do Direito. “Respondo que não por uma razão bem simples. Apesar do advento da norma que, de forma transparente, buscou proteger os provedores e suas atividades, há, ínsito ao desenvolvimento do serviço, uma salvaguarda ao consumidor”, asseverou o professor.

 

No que tange à proteção específica da propriedade intelectual, o professor asseverou que “nada mudou em relação a essa modalidade de proteção jurídica, porque não existe lei nova a esse respeito. Entretanto, o artigo 31 ressalva a aplicação das legislações específicas na proteção da propriedade intelectual, entre as quais a Lei do Direito Autoral”. Nesta perspectiva, o Marco Civil se assemelharia a uma matriz de direito no domínio virtual que há de ser permeada por legislações específicas para a proteção dos direitos da personalidade e da propriedade das criações artísticas e intelectuais.

 

Do ponto de vista da competência, afirmou que, com o § 3º do artigo 19, a responsabilização civil por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet poderá ser buscada nos juizados especiais cíveis, com previsão de antecipação da tutela dos efeitos pretendidos.

 

O antes, o agora e o futuro da internet

 

O palestrante comentou o julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 130 do STF, na qual, ficou revogada a antiga Lei de Imprensa nº 5.250/1967, e definida a adaptação da liberdade de expressão e de comunicação aos preceitos constitucionais, rechaçando de forma clara e transparente qualquer afronta aos valores consagrados no artigo 220 da CF.

 

Sob este aspecto, o do primado legal da liberdade de expressão, alertou para a necessidade de cuidado dos juízes ao examinarem pedidos liminares sobre o tema, afirmando a necessidade de ponderar os valores. “Todos sabemos que o exercício concreto da liberdade de expressão pelos profissionais de imprensa, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, assegura o direito de expender crítica, ainda que desfavorável e em tom contundente, contra qualquer pessoa ou autoridades”. Santarelli Zulianni afirmou, contudo, que a liberdade de expressão confina-se com os limites impostos pela tutela a outros direitos.

 

Por outro lado, observou a interferência na concorrência mercadológica e o estabelecimento de confusões e desvio de clientela na internet. Para ilustrar, citou tutelas específicas, entre as quais, caso em que usuário e provedor foram condenados a retirar do ar conteúdo depreciativo que utilizava a própria marca comercial de um banco e a condenação em julgamento de “link patrocinado”, modalidade em que o provedor direciona o resultado da pesquisa para determinados provedores de bens e serviços, caracterizando concorrência desleal e ferindo o princípio de neutralidade da rede.

 

Enio Zuliani também comentou aspectos do Direito ao esquecimento, explicitando a sua natureza: “determinados fatos que não dignificam são suportados pelos titulares porque resultam de responsabilidade por ato próprio. Depois de um longo tempo, em que a lembrança se perdeu na memória de todos, não compensa fazer o episódio retornar ao cenário e reabrir a ferida, restabelecendo novo volume de suportabilidade. Daí a teoria do esquecimento ou de não reavivar fatos sem relevância atual.”

 

Ele discorreu, ainda, sobre a afirmação da restrição à responsabilização do provedor por danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiro apenas nos casos de inércia após notificação judicial para tornar indisponível a publicação de conteúdo ofensivo.

 

Após o comentário de diversos casos de julgados estribados na dialética do conflito entre liberdade de expressão, livre manifestação e proteção à honra, à imagem, à privacidade e à propriedade intelectual, o palestrante concluiu a palestra com a afirmação da relevância e atualidade da jurisdição no domínio virtual, já que “uma camada da nossa população ainda não está preparada para utilizar a tecnologia que nos é colocada à disposição. E ao invés de utilizar a internet para coisas proveitosas e úteis, a utilizam para denegrir, ofender e macular a honra das pessoas”.

 

ES (texto e foto)


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