Curso “Sistema de Direito Civil” tem aula sobre cláusulas gerais do Código Civil

O jurista Nelson Nery Júnior foi o palestrante do curso Sistema de Direito Civil da EPM, no último dia 17, ocasião em que foi discutida a teoria geral dos contratos e das cláusulas gerais do Código Civil. A aula teve a participação do juiz Marcelo Benacchio, como debatedor, e contou com a presença dos desembargadores Nestor Duarte, coordenador da área de Direito Civil da EPM, e Roque Antonio Mesquita de Oliveira, aluno do curso.

 

O palestrante comentou preliminarmente aspectos do Código Civil de 2002. De acordo com Nelson Nery o diploma, informado pelo liberalismo do século XIX e tecnicamente avançado, trouxe uma mudança de paradigma, porque informado pela eticidade, operabilidade e socialidade. “Esse espírito, indicador de outras técnicas legislativas, já denota um sistema diverso do código liberal antecedente”, asseverou.

 

Além dessa inovação, o expositor chamou a atenção para uma ideologia e uma filosofia diversas adotada pelo legislador, qual seja, o sistema das cláusulas gerais. Ele explicou que o CC ainda se filia ao sistema casuístico, no qual o legislador imagina o que pode ocorrer nas searas do Direito e faz o regulamento dessas situações previamente vislumbradas. Esse modelo, hermético, “não é razoável porque nele só se observa aquilo que está na lei, deixando de contemplar determinadas situações de Direito. Nesta perspectiva, as cláusulas gerais são um mecanismo de flexibilização do sistema casuístico”, afirmou o palestrante.

 

Entretanto, o professor advertiu que não podemos confundir as cláusulas gerais com os princípios gerais de Direito, que são regras de conduta que norteiam o juiz na interpretação da lei e dos institutos jurídicos. Ele sustentou que as cláusulas gerais não são regras de interpretação; são fontes do Direito, pois de sua natureza jurígena nascem direitos e obrigações. De outra parte, afirmou que “elas são formadas por meio de conceitos legais indeterminados, como os bons costumes, função social da propriedade, probidade e boa fé nos contratos”.

 

Nessa esteira, discorreu, entre outros aspectos, sobre o princípio legal da função social do contrato (artigo 421 do CC). “Ninguém sabe de antemão o que é função social do contrato. Essa dimensão só pode ser revelada no caso concreto, pois se o conceito é abstrato, na cláusula geral o grau de abstração é quase absoluto. Assim, a tarefa do magistrado na aplicação da cláusula geral é dizer se o contrato, por esta ou aquela razão, cumpre ou não a função social”, ensinou.

 

A simbiose e a separação estrita entre doutrina e jurisprudência

 

Outro aspecto doutrinário explorado pelo expositor foi a relação entre doutrina e jurisprudência. De acordo com Nelson Nery, embora haja uma simbiose entre esses dois conceitos, seus papéis são distintos. Ele ensinou que a tarefa da doutrina é pensar e exteriorizar o Direito, enquanto a da jurisprudência é aplicar a doutrina aos casos concretos, porque “o magistrado, diante do gigantesco número de processos para julgar, não tem tempo de meditar sobre a teoria do Direito”.

 

Adiante, ressaltou a importância da casuística dos tribunais para revelar ao pensador do Direito o que está acontecendo no mundo. Mas alertou para os riscos da ideia de se criar um direito jurisprudencial, “como se os tribunais soubessem tudo e pudessem dizer ao juiz de primeiro grau o que ele tem que fazer, criando uma lei. O Tribunal não é para criar leis. Súmula ou decisão jurisprudencial vinculante não é coisa que deva ser prestigiada, e o dia a dia vem mostrando isso”, objetou Nelson Nery.

 

O futuro do Código Civil

 

Em prosseguimento, o debatedor Marcelo Benacchio indagou sobre o futuro do Código Civil, diante do movimento de simplificação do diploma legal.

 

O palestrante corroborou a tendência à simplificação dos dispositivos legais no novo CC, cujo anteprojeto encontra-se em trâmite no Senado Federal, mas alertou para o risco do reducionismo. “É reducionista a boa-fé objetiva e a dignidade da pessoa humana, se tomadas como panaceia para todos os males. Não é para isso que serve o Código Civil. Simplificação significa tentar trazer mais luzes para a intelecção dos institutos jurídicos”, ponderou.

 

Por outro lado, apontou a dificuldade da tarefa da simplificação, mencionando institutos de extrema complexidade dentro do processo. “Mesmo que se queira descomplicar não se vai conseguir de todo, porque a profissão jurídica é profissão técnica, e não é possível simplificar o que acontece no dia a dia da sociedade brasileira”.

 

Na sequência, Nelson Nery afirmou a importância do Direito Material em face do processo.“Observamos que o Direito Processual – que é mecanismo de trabalho, meio de realização do Direito Material – tem deixado de ser instrumental para virar um fim em si mesmo. E não podemos deixar isso acontecer. A simplificação tem que andar na trilha de fazer com que o processo cumpra o seu papel de instrumento do Direito Material”, defendeu.

 

Ele criticou, finalmente, o excesso de preciosismo no fazer valer as regras instrumentais em detrimento da norma de direito material. E ilustrou com o clássico despacho inicial lacônico ‘Emende o autor a inicial em dez dias, sob pena de indeferimento’, quando ninguém sabe o que há de ser emendado, mesmo após uma conferência de advogados.

 

ES (texto e fotos)


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