Curso de Direito Processual Penal conclui módulo inicial com aula sobre revisão criminal

O desembargador Ronaldo Sérgio Moreira da Silva foi o palestrante da aula de encerramento do Módulo I, “Temas Gerais de Processo Penal” do 7º Curso de especialização em Direito Processual Penal da EPM, ministrada no último dia 23. A exposição foi dedicada à análise dos fundamentos e hipóteses da revisão criminal e contou com a participação do juiz Jayme Walmer de Freitas, coordenador do curso.

 

 “Já na antiguidade, havia a ideia da necessidade de se rever provas e julgamentos. Erros judiciários acontecem, pois os julgamentos são realizados por seres humanos, e o Poder Judiciário não pode fechar os olhos para tal realidade. Daí nasce para o homem a necessidade de ter à sua disposição meios ou instrumentos capazes de possibilitar-lhe reverter uma decisão criminal condenatória definitiva, seja como decorrência de um julgamento manifestamente contrário à prova dos autos ou amparado em provas falsas, seja defluente de prova nova de sua inocência, seja decorrente da imputação de penas manifestamente desproporcionais, flagrantemente contrárias aos ditames legais. Para fazer frente a tais situações jurídicas é que existe a revisão criminal”, esclareceu o palestrante na introdução.

 

Uma vez definido o conceito do instituto, ele lembrou o status constitucional da revisão criminal, integrada ao rol de direitos fundamentais previstos no artigo 5º da Constituição Federal, “malgrado não use explicitamente a expressão”. O instituto infere-se da redação do inciso LXXV, de acordo com o qual “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”.

 

Ronaldo Moreira da Silva comentou ser evidente a necessidade de revisão do julgamento para que se detecte ou se entenda presente o erro judiciário mencionado no dispositivo constitucional. E ressaltou que o constituinte reservou implicitamente o instrumento até mesmo como realização do princípio da inafastabilidade da jurisdição. “Quem experimentou uma lesão ou ameaça a um direito, tem direito de buscar a tutela do Poder Judiciário, conforme inciso XXXV do artigo 5º da CF, seja para obter a absolvição, para alcançar a desclassificação do crime, reduzir a pena ou para anular um processo penal condenatório”, sustentou.

 

Em prosseguimento, comentou a divergência doutrinária acerca da natureza jurídica da revisão criminal. “Embora ela tenha sido inserida pelo legislador em um livro, título e capítulo do Código de Processo Penal, que dizem respeito aos recursos em geral (artigos 621 a 631), a doutrina e a jurisprudência ainda não conseguiram chegar a um consenso sobre a natureza jurídica da medida”, observou o professor.

 

Ele lembrou que, para a doutrina da França, Portugal e Argentina, e para alguns autores brasileiros, como Edgard Magalhães Noronha, a revisão criminal é considerada um recurso extraordinário, enquanto Pontes de Miranda sustenta que, por ter havido o trânsito em julgado da ação penal condenatória, está-se diante de uma ação e não de um recurso. E ensinou que esse entendimento é comungado por expressiva parte da doutrina nacional, representada por importantes vozes do Direito, como Vicente Greco Filho, Paulo Rangel e Ada Pellegrini Grinover, que definem a revisão criminal como ação de impugnação de natureza constitutiva, porquanto visa desconstituir a coisa julgada. Compartilhando a mesma posição, o palestrante lembrou que a incompatibilidade dos recursos com o pressuposto de uma decisão criminal transitada em julgado reforça a ideia da revisão criminal como ação.

 

Outro aspecto explorado na exposição foi o caráter sui generis da ação de revisão criminal, por não ter composição no polo passivo. Entretanto, o palestrante comentou que o Ministério Público deveria ocupá-lo, “vez que que lhe incumbe zelar pela preservação da coisa julgada formal e material, até mesmo com vistas a reverenciar a segurança jurídica e, pois, a paz  social”. Adiante, ressaltou o caráter não prescritivo da revisão criminal. “A revisão criminal pode ser ajuizada a qualquer momento, mesmo depois do cumprimento da pena ou da morte do condenado, hipótese em que se presta para reabilitar-lhe a memória”, sustentou.

 

Além disso, comentou as hipóteses de cabimento da revisão criminal, elencadas no artigo 621 do CPP, e casos históricos de condenação injusta pelo júri, em razão da habilidade da acusação. “Imaginemos a prisão injusta de um réu por mais de quarenta anos. Foi o que ocorreu em uma condenação revista pela Corte inglesa, quando o réu foi absolvido aos 84 anos. E mesmo que consideremos os milhões de libras esterlinas que recebeu como indenização, a compensação resultou pífia diante do tempo que lhe foi subtraído”.

 

Também falou de situações de ajuizamento da revisão criminal em face de decisões lastreadas na previsão jurisprudencial de corrente que defende o aumento da pena em razão de maus antecedentes do réu, configurados por inquéritos ou ações em andamento contra ele. Contudo, opôs a esse critério o princípio da supremacia constitucional, de acordo com o qual não pode ser vulnerado o princípio da presunção de inocência. “No Estado de Direito do mundo civilizado, nenhum ato, seja de que natureza ou hierarquia for, jamais poderá se sobrepor à força normativa da Constituição, que preside a ordem jurídica, e essa tese já foi consagrada pelo grupo de câmaras de nosso Tribunal”, defendeu o professor.

 

O palestrante comentou, por fim, a existência de divergência doutrinária e jurisprudencial quanto à forma da revisão criminal fundada em erro do júri. “De um lado, há o argumento de que a soberania do júri é uma garantia constitucional, e que, portanto, o Tribunal de Justiça não pode simplesmente rescindir a decisão condenatória e substituí-la por uma absolutória; nessa hipótese, haveria a necessidade de devolução do processo ao júri para novo julgamento. Por outro lado, há a corrente que defende que, se o júri e a revisão criminal são garantias do réu, constituindo uma forma de manter incólume a ordem jurídica e o direito à liberdade, não seria razoável a prevalência do meio sobre o fim, razão pela qual o Tribunal pode rever a condenação.”

 

E uma vez que a primeira razão da revisão criminal é a admissão apriorística da natureza falível dos juízos humanos, “é melhor que procuremos evitar erros e falhas em julgamentos, detectar a prova falsa para que ninguém fique na prisão por mais tempo do que o devido ou para que não seja condenado a ela, apesar der inocente” alertou o professor.

 

ES (texto)


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