EPM inicia segunda edição do seminário “Marco Civil da Internet”

Com palestra ministrada pelo professor Oscar Vilhena Vieira, diretor da Faculdade de Direito da FGV/SP, teve início, no último dia 2, o II Seminário Marco Civil da Internet da EPM, sob a coordenação do desembargador Luís Francisco Aguilar Cortez.

O ciclo tem por objetivo fornecer elementos para a aplicação da legislação que instituiu o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/14) e permitir a reflexão sobre o tema. Na aula inaugural, foram debatidos os tópicos “O Marco Civil e a internet como espaço público de informação e mobilização”, “Liberdade de expressão e democracia participativa” e “Cidadania, direitos fundamentais e internet”.

 

Na abertura dos trabalhos, Luís Aguilar Cortez enalteceu o palestrante e agradeceu a sua participação, no sentido de ajudar os profissionais do Direito a refletirem a respeito da nova lei e pensarem nos efeitos da sua aplicação. “Como se trata de uma legislação nova, o professor acaba tendo a missão de ajudar na formação de uma jurisprudência”.

 

Oscar Vilhena falou inicialmente da complexidade da lei em discussão, não só por seu caráter inovador, com poucos paralelos no mundo, mas por sua característica constitucional principiológica, que determina condutas razoavelmente abertas dos juízes em sua aplicação e cria dificuldades gerais em sua interpretação.

 

“De fato, não é uma ‘Constituição da internet’, como afirmam alguns colegas, mas uma lei dotada de uma grande quantidade de princípios, que devem regular a conduta dos agentes e também a daqueles que tem por função aplicá-la – e talvez aí resida grande parte dos seus problemas”, comentou Oscar Vilhena, lembrando que, por sua natureza, a normativa transfere certo grau de discricionariedade aos seus aplicadores.

 

As novas facetas de um antigo problema e a mediação judiciária

 

O expositor partiu de duas premissas, colocadas como hipóteses para reflexão. A primeira é que a internet adiciona questões a um antigo problema, que é a relação entre a liberdade de expressão e os outros valores constitucionais protegidos; a segunda sobre o papel do Poder Judiciário no Brasil ao operar essa ponderação no dia a dia.

 

Ele estabeleceu o contraponto entre o uso e o abuso da liberdade de expressão na internet. Sustentou que “a discussão pode ser minimizada quando pensamos que a internet nada mais faz do que potencializar as esferas onde ocorre o discurso, pluralizando suas possibilidades. A partir dela, todos podemos discursar na esfera pública, e isso evidentemente gera um abuso da liberdade de expressão com muito mais facilidade. Garotos de 14 ou 15 anos fazem discursos ilegais na internet sem a menor compreensão de que aquilo não é possível. Não porque não fizessem esses discursos anteriormente, mas o local em que o faziam era a cantina da escola, o campo de futebol ou o vestiário do clube”.

 

O palestrante aduziu que, numa sociedade moderna, todos têm liberdade de expressão, mas poucos usam os meios de comunicação tradicionais para expressarem-se de fato. “Há uma pluralidade de meios que reverberam a expressão, e esses aprenderam durante décadas quais são as limitações dentro de cada uma das áreas específicas”.

 

Em prosseguimento, afirmou que o discurso político e o jornalístico, antes condicionados a determinados canais – o partido político e o jornal –, ganharam pluralidade, agregando dificuldade na avaliação de seus conteúdos. Entretanto, obtemperou que, do ponto de vista jurídico estrito, “os dilemas fundamentais continuam sendo semelhantes àqueles que tínhamos há cinquenta anos, porque são as mesmas tensões entre o direito à liberdade de expressão, de um lado, e a privacidade, a dignidade, a honra e os direitos patrimoniais, de outro, agora potencializadas pelo meio de discurso constituído pela internet”.

 

Oscar Vilhena sustentou que o dilema razoavelmente novo que se tenta compreender e resolver é o advento da extraterritorialidade, dimensionada pela produção e pela recepção global do discurso, enquanto os meios de controle continuam sendo paroquiais. “A jurisdição não dá conta desse instrumento, que transcende as barreiras dos estados constitucionalmente estabelecidos”, afirmou.

 

“Será que o Poder Judiciário tem tido uma posição restritiva? Será que ele tem razão ao adotar essa postura?”, indagou. E sustentou que, no Brasil, grande parte das situações onde se vê uma restrição da liberdade de expressão tem vindo do Poder Judiciário. Com isso, passou à análise de sua segunda premissa, em torno de uma posição prevalente a priori da liberdade de expressão sobre os outros direitos constitucionais, de acordo com o artigo 220 da Constituição, que “furta ao legislador a possibilidade de criar constrangimento a esse direito”.

 

“Só uma ampla liberdade de expressão pode assegurar que nós tenhamos meios de controlar aqueles que monopolizam o poder, um antídoto ao monopólio da força e da regulação estatal”, pregou Oscar Vilhena, após uma reflexão sobre os fundamentos histórico-filosóficos da liberdade de expressão.

 

Contudo, lembrou que a liberdade de expressão não é um direito absoluto, que impõe dois tipos de obrigação: as peremptórias e as principiológicas. “Todo direito”, ensinou, “é uma razão voltada para assegurá-lo. O direito à liberdade de expressão consiste em duas naturezas. É algo que está escrito na Constituição como uma regra e como um princípio. É regra quando determina que não pode haver censura (artigos 5º, inciso IX, e artigo 220, § 2º). E embora a liberdade de expressão não seja absoluta, há um limite para restringi-la, e a censura não é esse limite. É possível constrangê-la de outras maneiras, como punir criminalmente alguém que a tenha usado para imputar a alguém alguma prática, ou pecuniariamente a alguém que a tenha usado para expropriar a imagem de alguém e tirar proveito disso”.

 

Ele ponderou que há mecanismos de constrição ao abuso da liberdade de expressão, e até exceções regradas à aplicação da norma no que tange à censura, de modo que só se pode censurar, suspender ou impedir um discurso quando tivermos uma justificativa clara determinada pela lei. “No Brasil, tem havido confusão, de modo que qualquer direito que esteja pendente do outro lado da liberdade de expressão é tomado como uma justificativa suficiente para censurá-la”, ponderou.

 

Oscar Vilhena destacou, finalmente, dois pontos para a criação de standarts jurídicos, diante do que apontou como “um certo embaralhamento da cultura jurídica brasileira sobre o princípio”. De acordo com seu entendimento, é importante que os profissionais do Direito comecem a reivindicar o estabelecimento de padrões mais claros acerca do que é discurso sensível e não sensível. “Discursos sensíveis, como o político, artístico, científico, jornalístico, religioso, devem ter um grau máximo de proteção, porque estão associados aos fundamentos constitucionais; o segundo ponto é quem é o ofendido por esses discursos e o meio em que a ofensa se dá, porque determinados ofendidos, por sua escolha, têm muito pouco a reivindicar; e estou falando especificamente de políticos, de artistas e de celebridades”, ressaltou.

 

ES (texto)


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