­­Newton De Lucca discorre sobre informática e títulos eletrônicos no curso de Direito Empresarial

O desembargador federal Newton De Lucca ministrou ontem (4) a aula “Informática e títulos eletrônicos” no 6° Curso de especialização em Direito Empresarial da EPM. A preleção contou com a participação do desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, vice-diretor da EPM e coordenador do curso, e juíza Renata Mota Maciel Madeira Dezem, professora assistente.

 

“Ao atribuir uma interpretação contemporânea ao princípio da cartularidade dos títulos de crédito, legitimando o crédito escritural, mais especificamente no contexto da chamada duplicata virtual, o STJ demarcou, no ano de 2011, o fim de uma longa, sinuosa, e polêmica caminhada, que se iniciara ainda na década de 80 com os primeiros escritos da minha autoria”. Com estas palavras, Newton de Lucca iniciou sua exposição, em que abordou a história e a progressão legislativa de um tema jurídico, que dividiu a doutrina brasileira e ainda suscita muitas controvérsias: a abertura do princípio da cartularidade para admissão da forma virtual dos títulos de crédito, especialmente a duplicata mercantil, “título de crédito de origem tipicamente nacional, lastreada em um negócio jurídico subjacente de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços, o legislador a prestigiou como um dos títulos circulatórios de maior aplicação prática no Brasil”.

 

De acordo com o palestrante, houve uma longa e intensa discussão a respeito do tema na segunda metade do século passado. “Até que ponto era possível deixarmos de lado um dos princípios fundamentais dos títulos de crédito, que é a cartularidade, já que, de acordo com os grandes autores, os três pilares da construção jurídica dos títulos de crédito foram os princípios da cartularidade, da autonomia e da literalidade?”, indagou. E afirmou que a proposta de desmaterialização dos títulos de crédito, hoje pacificada no STJ, foi fruto de uma demorada construção teórica.

 

Ele asseverou que, a despeito da discussão acadêmica e das dificuldades no enfrentamento de posições mais conservadoras, vislumbrou que, aqui no Brasil, seria fácil transitarmos do título em papel para o título eletrônico, exatamente porque a cártula já não circulava, permanecendo nas mãos do sacado ou descontadas no banco por saque-endosso.

 

O comercialista recordou que a proposta de substituição da assinatura do título por outros meios foi vista, em princípio, como um absurdo, e taxados de visionários seus formuladores. “O jurista é muito refratário às novidades; e se não conseguir enquadrar algo dentro de uma principiologia própria do Direito, logo dirá que aquilo é teratológico”, comentou.

 

Esclareceu ainda que o problema da transição era quase de natureza terminológica, ou seja, entender-se que a cartularidade não estaria sendo propriamente abolida, mas apenas seu sentido literal. A pergunta que se impunha era se só o papel podia ser considerado documento. “Entretanto, Pontes de Miranda já escrevia, antes do advento da informática, que em nenhum lugar, nem nas nossas leis internas, nem na lei uniforme de Genebra, estava escrito que o título de crédito precisasse ser emitido em papel”, ensinou o professor.

 

Newton De Lucca informou que, ao tempo desse debate, defendeu em obra jurídica que a força executiva da duplicata não residia propriamente na cártula, mas sim naquele arsenal documental que comprovava a real prestação de um serviço ou a efetiva compra e venda de uma mercadoria. Nesta nova perspectiva, o que se há de levar em conta é se existiu ou não a declaração unilateral de vontade, independentemente do suporte empregado. E toda a questão se resumia, então, na mudança do “princípio da cartularidade” para “princípio da documentalidade”, pois isso tornaria possível a duplicata eletrônica.

 

Ele acrescentou que foi a mesma mudança de princípio que tornou possível o exercício do poder decisório ou manifestação da vontade do juiz pelo mecanismo da assinatura digital eletrônica com certificação digital, mediante criptografia simétrica, dispensando-se a assinatura hológrafa.

 

Adiante, fez um breve histórico das duplicatas no Brasil, exatamente para mostrar a passagem da cártula para o suporte eletrônico. Ele observou que, oriunda de uma necessidade prática dos comerciantes, a duplicata surgiu como alternativa ao saque das letras de câmbio, justamente para propiciar maior agilidade e menos formalismo na circulação do crédito, em razão das dimensões continentais do nosso país e do deficiente sistema nacional de transportes no início do século XX, pois o procedimento para receber os valores documentados da letra de câmbio era excessivamente demorado.

 

De acordo com o professor, a consagração legislativa da duplicata ocorreu na década de 20 do século passado, quando se tornou obrigatória a sua emissão em substituição à fatura (obrigatoriedade ratificada pela Lei 187/1936, antecedente da Lei 5.474/1968, em vigor até hoje, com algumas alterações), tanto para viabilizar a cobrança do imposto sobre as vendas, quanto para resguardar os próprios comerciantes, fornecendo-lhes meio oficial de documentar as operações creditícias.

 

Newton De Lucca lembrou que a supressão do papel para a emissão das duplicatas mercantis, mediante mera informação aos bancos dos dados do título pelo credor para emissão do boleto bancário, iniciou-se a partir da década de 70 e trouxe maior agilidade e diminuição de custo das operações de cobrança e desconto bancário.

 

Ele comentou ainda a inexistência de lei que regule a emissão da duplicata eletrônica por indicação, por não ter havido entendimento sobre essa necessidade. Entretanto, lembrou que a Lei de Protestos, nº 9.492/97, que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida, recepcionou em seu artigo 8º a forma eletrônica das duplicatas mercantis, impulsionando de vez a transição do suporte em papel para o eletrônico, minando as resistências havidas no meio jurídico. “Essa terceira fase histórica, ainda em curso, representa a consolidação da escrituração eletrônica do crédito. A nova forma foi consagrada no § 3º do artigo 889 do Código Civil de 2002 e está recepcionada na redação do novo Código Comercial, em trâmite no Congresso”, concluiu o palestrante.

 

ES (texto e fotos)


O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP