Reformas e revisões constitucionais e vedação ao retrocesso social são analisadas no curso de Direito Público

O desembargador Luis Francisco Aguilar Cortez foi o palestrante da aula do último 27 do 9º Curso de especialização em Direito Público da EPM. Ele discorreu sobre o tema “Reformas e revisões constitucionais e a vedação ao retrocesso social”, com a participação do desembargador Luís Paulo Aliende  Ribeiro, coordenador do curso.

 

O palestrante iniciou a preleção com um levantamento dos principais temas relacionados à adequação constitucional à realidade social do país: “uma das temáticas às vezes levantadas é que a Constituição Federal trouxe um excesso de direitos, fato apontado como uma das causas que dificultam a governabilidade. Outro tipo de discurso, mais ou menos consensual, embora variem as propostas quanto à forma e ao conteúdo, é o da necessidade de uma reforma política e tributária”.

 

Ele lembrou um terceiro posicionamento, consistente na opinião de que a abertura da possibilidade de reforma da Constituição implique no risco de retrocesso da conquista de direitos e garantias constitucionais mercê de eventual revisão do rol de direitos sociais. Essa noção se conjugaria com o discurso da generosidade constitucional, sob o argumento de que o país ainda não teria condições econômicas e estruturais para atender esses direitos.

 

Luis Aguilar Cortez analisou as formas de alterações do texto constitucional, tendo estabelecido uma distinção entre reforma (toda e qualquer alteração formal), revisão (modificação relativamente ampla) e emenda (ajustes e alterações de natureza mais específica). Ele lembrou que reformas e emendas são mecanismos formais típicos de alteração, que têm por objeto temas não previamente definidos; já as revisões têm por objeto alterações quanto a temas previamente definidos no artigo 3º das disposições constitucionais transitórias.

 

O expositor comentou que o limite material do poder de revisão constitucional é bastante aberto, haja vista o alcance aprofundado em termos de alterações na estrutura administrativa e política do Estado. Nesta perspectiva, lembrou que o texto já sofreu 91 emendas desde a sua redação originária, a última delas versando sobre matéria eleitoral no que tange ao prazo de desfiliação partidária e mudança de partido. “Pela variedade de temas, dá para perceber que a possibilidade de mudança por meio de emendas é bastante intensa”, observou.

 

Para exemplificar a amplitude de conteúdo das reformas, recordou que, ao final dos anos 1990, depois do Plano Real, o país passou por uma crise fiscal e resolveu mudar o modelo de atividade econômica e de serviço público, flexibilizando monopólios ou privatizando alguns serviços, como telefonia, energia, por meio das emendas constitucionais de números 6 e 9.

 

Também lembrou a reforma administrativa promovida por meio da Emenda Constitucional nº 19, em 1998, que introduziu no artigo 37 o princípio da eficiência, e a Reforma do Judiciário, por meio da EC nº 45, de 2004, que criou de um novo órgão de controle, o CNJ. Comentou igualmente a EC nº 41/2003, que reformou o regime de previdência e contribuição dos aposentados, modificando, entre outros, o regime de aposentadoria de servidores públicos; as emendas constitucionais de números 64/2010 (que introduziu a alimentação como direito social) e 90/2015 (que introduziu o transporte como direito social), ambas includentes de novos direitos sociais no rol do artigo 6º da Carta Magna.

 

Limites materiais das alterações constitucionais e risco de retrocesso de direitos e garantias

 

Em prosseguimento, Luis Aguilar Cortez analisou os limites das alterações constitucionais e sua base jurídico-formal. De acordo com ele, a doutrina reconhece que, na formação da Constituição pelo poder originário, reside um potencial que determina sua natureza aberta à criação.

 

Entretanto, comentou que, embora às vezes não se tenha o limite de alteração expresso em uma cláusula específica, chamada cláusula pétrea, como o rol de direitos e garantias fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição, tem-se limites materiais implícitos, há direitos que, por sua natureza, também são considerados conteúdo ou princípios essenciais do texto constitucional e, como tal, integrantes de sua estrutura. E lembrou como exemplo os princípios de igualdade, solidariedade e dignidade da pessoa humana, elencados no artigo 4º que, “se quebrados, quebram o próprio texto constitucional”.

 

No campo doutrinário, observou que a posição constitucional tem um conteúdo dinâmico histórico, vinculado ao momento que cada nação vive e que, portanto, ela não é imutável. Nesta perspectiva, afiançou que, mesmo que não haja um procedimento formal de mudança, as constituições acabam mudando. “O documento jurídico responde a uma realidade fática, mudando essa realidade fática, pode mudar o documento jurídico”, aduziu.

 

Outra abordagem foi a discussão dos limites jurídicos de transformação da realidade. O palestrante ensinou que o mundo jurídico não esgota a realidade; pelo contrário, é reflexo dela. “Às vezes, nossa pretensão de transformá-la com ferramentas normativas esbarra em limites materiais de difícil transposição”, ponderou.

 

Ele observou ainda que a harmonização entre a realidade e o sistema jurídico tem de ser buscada de várias maneiras, porque o mecanismo jurídico sozinho não consegue vedar o retrocesso social: “estamos vivendo isso agora, porque numa situação de crise, com inflação e desemprego, tudo o que foi conquistado em pouco tempo se perde sem que tenha havido mudança constitucional, mas houve retrocesso social em termos de qualidade de vida. Logo, a vedação de retrocesso envolve algumas condições reais, nas quais o Direito não consegue interferir”, ponderou.

 

Ainda no campo analítico dos riscos de retrocesso social por meio de reformas, assinalou que, embora seja possível um controle eficaz de constitucionalidade, a EC nº 41/2003 reformou o regime de previdência e contribuição dos aposentados, modificando, entre outros, o regime de aposentadoria de servidores públicos. E lembrou a possibilidade de novas alterações no regime de aposentadoria dos servidores, por meio de medidas que guardam relação com o risco de retrocesso, uma vez que “do ponto de vista prático, eventual majoração da contribuição dos aposentados equivale a uma redução salarial”.

 

“Cada vez mais, vemos que uma das maneiras de alterar o conteúdo das constituições, quanto aos efeitos práticos, são as chamadas mutações constitucionais, que embora não constituam um processo formal de alteração, acabam alterando significativamente a sua interpretação e, consequentemente, a sua aplicação”, concluiu Luis Aguilar Cortez.

 

ES (texto)


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