Ministro Ruy Rosado discorre sobre teoria do contrato no curso de Direito do Consumidor

Aula marcou o início do terceiro módulo do curso.

 

O ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Ruy Rosado de Aguiar Júnior foi o palestrante da aula do último dia 25 do 5º Curso de especialização em Direito do Consumidor da EPM, que versou sobre o tema “Teoria do contrato”. A exposição deu início ao Módulo III, “Oferta e proteção contratual no CDC”, e teve a participação dos coordenadores do curso, desembargador Tasso Duarte de Melo e juiz Alexandre David Malfatti.

 

Ele iniciou sua exposição com uma observação sobre a chamada crise do contrato: “o contrato é uma instituição social, uma figura de utilidade social. O homem não pode viver sem estabelecer contratos, porque é com ele que define o seu dia de hoje e o seu futuro, bem como a sua expectativa com relação ao comportamento do outro. Pode estar em crise uma concepção do contrato, mas a instituição e a utilidade do contrato permanecem”, frisou.

 

Discorreu a seguir sobre a evolução histórica do contrato no Brasil, lembrando que, desde a colonização até 1917, o Direito Civil no País foi regulado basicamente pelas Ordenações Filipinas, com normatização consolidada pelo jurista Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883). Observou ainda que o regime era fundado no Direito Romano, no Direito Comum e no Direito Canônico. “Isso foi alterado substancialmente com a aprovação, em 1917, do novo Código Civil, que vinha com as ideias da Revolução Francesa, do liberalismo do individualismo, e que trouxe as ideias do Código Civil da França, o chamado Código de Napoleão”, recordou.

 

Nesse contexto, lembrou que o contrato era uma emanação das ideias do Código Civil vigente, que consistiam na ­racionalidade, liberdade e igualdade. “O homem estabelecia as regras de seu contrato, que deveriam necessariamente ser cumpridas”, ensinou, citando o pacta sunt servanda. Ele recordou ainda que o Direito era um sistema fechado, completo, restando ao juiz, por meio da subsunção, aplicar a regra ao caso concreto. “A igualdade formal entre as pessoas, nas suas relações jurídicas, na plena liberdade de elaborar os conteúdos do contrato, afastava qualquer possibilidade de alteração posterior do que estava convencionado”, ensinou.

 

Constituição Federal de 1988

 

Ruy Rosado discorreu a seguir sobre as mudanças advindas da Constituição Federal de 1988. Ele destacou o surgimento da possibilidade de revisão do contrato, lembrando que, até 1980 não havia na jurisprudência acórdãos que admitissem a revisão dos contratos. “O que se queria era uma proteção maior da pessoa e, com isso, a aceitação de certos princípios que estavam na doutrina e que eram válidos em outras legislações, especialmente na europeia, como a boa-fé, a probidade e a função social do contrato”, explicou.

 

Nesse contexto, ressaltou que passou a ser admitida a possibilidade de alteração do contrato, em função de oneração surgida após a sua celebração, ou de manifestação de desequilíbrio entre as prestações por ocasião da celebração. E acrescentou que a possibilidade de revisão do contrato estava ligada à ideia da renegociação, para adequação às mudanças na execução do contrato.

 

O palestrante destacou também a preocupação crescente com a regulação do mercado, para coibir abusos na concorrência, fazendo com que a igualdade deixasse de ser meramente formal e passasse a ser material.

 

Outro aspecto destacado pelo expositor foi a mudança de eixo na responsabilidade civil, que deixou de ter como base a culpa e a existência de fato ilícito, e passou a ser fundada na existência do dano injusto, que deve ser reparado. Ele ressaltou também a ampliação na legislação da responsabilidade objetiva (independente de culpa), que depois foi integrada no CDC e no Código Civil de 2002. E mencionou outras inovações, como a responsabilidade por dano moral, a exigência do fornecimento de informações (consentimento informado) e a responsabilidade objetiva por corrupção.

 

O ministro assinalou a criação de novos tipos de contratos, a partir de 1917, entre eles, os coativos; os necessários, como os de energia e telefone; e os regulamentados, com os dos planos de saúde. Citou ainda o advento de novas fontes para a legislação, como os tratados e convenções internacionais, no plano externo, e as condições gerais de contrato aprovadas pela autoridade e as condições estabelecidas pelas empresas, no plano interno.

 

Ele chamou a atenção também para o surgimento de problemas como o superendividamento, e para o crescente uso da legislação do consumo, por meio da judicialização, em razão da ineficácia das agências reguladoras na coibição da abusividade pelas empresas. “Há um desvirtuamento no Brasil na regulação das atividades massivas, que leva necessariamente ao Judiciário, o que cria um problema para a parte e para o Judiciário, que não tem condições de atender a essas demandas massivas”, ponderou.

 

Aspecto econômico do contrato

 

Ruy Rosado observou que o período iniciado em 2017, com o advento do Código Civil, e consolidado com a edição do Código Civil de 2002 pode ser chamado de solidarismo, um período marcado pela preocupação com a ética, com a solidariedade, com a justiça social e com o hipossuficiente.

 

Entretanto, lembrou que o Direito está em constante transformação e apontou a existência de uma terceira fase, baseada na análise econômica do contrato. “De acordo com essa ideia, ao invés de atendermos ao solidarismo ou à socialidade, como dizia Miguel Reale, daríamos prevalência ao aspecto econômico, que está sempre presente na relação contratual e mais de acordo com o movimento internacional de contratação, seja com relação à lex mercatoria, seja com relação aos tratados internacionais”, explicou.

 

Ele revelou que essa é uma ideia presente entre os doutrinadores no Brasil e mencionou um julgado que referiu à análise econômica como um critério a ser obedecido, mas atentou para a ponderação da professora Paula Forgioni: “a Economia e o Direito têm duas racionalidades: a econômica e a jurídica. Na jurídica, temos a prevalência da ética e a necessidade de atender à justiça material, o que não é a preocupação da teoria econômica”. E ressaltou a importância de se buscar o que é justo nas diferentes orientações, para o atendimento de todos os interesses em jogo na relação contratual.

 

Na sequência, o ministro discorreu sobre os conceitos de liberdade contratual, autonomia da vontade e autonomia privada. “A autonomia da vontade é a capacidade de retirar da minha vontade a força da manifestação, para regular a minha vida. Posso fazer o que quero e tenho força para isso. Já a autonomia privada é o âmbito de ação que o Estado me permite para eu dispor dos meus interesses”, ensinou. E frisou que o contrato não tem força porque resulta da vontade, mas porque a ordem jurídica, o Estado dá eficácia para a manifestação da vontade, nos limites que ele estabelece.

 

Em relação à liberdade contratual, esclareceu que ela diz respeito à liberdade de escolher o contratante, o momento de contratar e as cláusulas desse contrato. Mas frisou que, embora haja a preocupação da legislação consumerista em proteger o consumidor, essa proteção não se confunde com a liberdade de contratar, porque ela não garante maior liberdade ou maior autonomia no exercício dessa liberdade. “Hoje não temos em toda a sua extensão a liberdade de contratar, nem uma ampla autonomia privada, porque ela está cada vez mais regulado pelo Estado, pelas empresas e pelo mercado”, complementou.

 

Princípios constitucionais

 

Ruy Rosado discorreu a seguir sobre os aspectos constitucionais relacionados ao contrato. Ele observou que a Constituição de 1988 alterou profundamente a visualização do consumidor, estabelecendo que a sua defesa é uma obrigação do Estado, com influência direta no Direito Civil. “Quando a Constituição instituiu a dignidade da pessoa humana, quis dizer que temos que proteger as condicionantes dessa pessoa, que são a racionalidade, a liberdade e a igualdade”, ensinou.

 

Nesse contexto, ponderou que a Constituição de 1988 representou uma “janela aberta” para a mudança do sistema jurídico, especialmente do Direito das Obrigações. “A Constituição consagra os princípios da livre iniciativa, da sociedade livre, justa e solidária, da garantia da propriedade e da propriedade na sua função social, da defesa do consumidor e da livre concorrência, que impregnam o Direito Contratual”, frisou.

 

E destacou quatro princípios­­ fundamentais para os contratos: o equilíbrio contratual, que advém do princípio constitucional da igualdade; a função social, que quebrou o antigo princípio da relatividade, que preconizava que os efeitos dos contratos restringiam-se às partes; a solidariedade contratual; e a ordem pública, porque o princípio da justiça informa o contrato.


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