Curso ‘Filhos da violência no Sistema de Justiça’ tem início na EPM

Exposição inaugural foi feita pela médica Mariana Ferreira.

  

Teve início na EPM, no último dia 24, o curso Filhos da violência no Sistema de Justiça, promovido em parceria com a Escola da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (Edepe) e com a Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo (ESMP) para magistrados e servidores do Tribunal de Justiça de São Paulo e para servidores do Ministério Público e da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, sob a coordenação da juíza Teresa Cristina Cabral Santana. 

 

A aula inaugural, “Abuso sexual – análise de uma médica legista”, foi proferida pela médica Mariana da Silva Ferreira, com mesa de trabalhos composta pela juíza Rafaela Caldeira Gonçalves, integrante da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do Poder Judiciário do Estado de São Paulo (Comesp); pela promotora de Justiça Valéria Diez Scarance Fernandes, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Estado de São Paulo; e pela defensora pública Paula Sant’Anna Machado de Souza, coordenadora auxiliar do Núcleo da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.

 

Inicialmente, Mariana Ferreira informou que o atendimento de uma vítima de violência sexual é feito pelo Instituto Médico Legal (IML) e salientou que em São Paulo o IML possui o programa Bem-me-quer, parceria entre a Secretaria de Segurança Pública e a Secretaria da Saúde, que funciona no Hospital Pérola Byington e atende todas as vítimas de violência sexual de São Paulo e da Grande São Paulo, em um ambiente humanizado e com equipe composta por mulheres, que presta atendimento 24 horas.

 

A palestrante explicou que o objetivo da perícia é encontrar evidências de conjunção carnal ou atos libidinosos diversos, lembrando que, a partir de 2009, as práticas de atos libidinosos passaram a ser consideradas crime de estupro. “A maioria das pessoas acredita que se não houve penetração não houve estupro, mas a criança que sofre práticas libidinosas também está sendo vítima de estupro”, frisou. E acrescentou que se considera abuso sexual qualquer prática sem consentimento e que não pode haver consentimento no caso de crianças ou de pessoas intoxicadas, inconscientes.

 

A expositora forneceu dados da Secretaria de Segurança Pública, indicando que no ano de 2016 foram registrados 49.497 casos de estupros no Brasil. Informou, no entanto, que esse número representa apenas 10% das ocorrências, porque cerca de 90% dos casos não são denunciados. “Principalmente quando as vítimas são crianças, os familiares são os que menos denunciam. Geralmente as denúncias são provenientes da escola e anônimas”, observou.

 

Ela apresentou também dados de estupro por faixa etária: de 0 a 7 anos são cerca de 38,80% dos casos; de 8 a 14 anos são 38,11%; 48,71% dos casos acontecem na casa da vítima e 33,60% na casa do suspeito; 82,83% são praticados por conhecidos da criança, principalmente familiares (avô, pai, tio, irmão) ou amigos que têm fácil acesso à casa; 92,55% dos abusadores são do sexo masculino. “São pessoas que normalmente não levantam suspeita”, frisou.

 

A palestrante observou que com frequência se pergunta à vítima por que ela foi estuprada, como se a culpa pudesse ser dela. “Ela é responsabilizada por uma atitude que não tomou ou pelo comportamento que teve. Nós temos que mudar essa pergunta e perguntar para o estuprador por que ele estuprou”, ponderou, afirmando a necessidade urgente de um ambiente digno e de profissionais preparados para atenderem esse tipo de vítima.

 

Mariana Ferreira explicou como funciona o atendimento de uma vítima de violência sexual no IML e as etapas do exame pericial sexológico: identificação, entrevista, exame físico geral, exame físico específico, coleta de materiais, elaboração de laudo pericial oficial, que é entregue à autoridade que o solicitou. Ela mencionou os principais exames realizados, lembrando que para a identificação do agressor o ideal é fazer o exame em menos de 24 horas ou em menos de 72 horas em caso de exame vaginal, mas o exame deve sempre ser feito, mesmo se ultrapassado esse prazo.

 

Ela falou que há casos frequentes de intoxicação com o “boa noite cinderela”, que é a mistura de uma substância química com álcool, que faz com que a vítima apresente um comportamento alterado que não é aquele clássico do embriagado. É uma substância que permite que a vítima se comunique, interaja, mas faz que perca a resistência e a memória recente. A expositora informou ainda que muitos homens também são vítimas do boa noite cinderela, mas não denunciam o estupro. “É um crime muito relacionado a retiradas em caixa eletrônico, a vítima passa a senha, faz o saque, vai para casa e abre o cofre porque perde a resistência”, esclareceu.

 

A médica esclareceu que a perícia consegue identificar o que é entalhe do hímen e o que foi provocado. Ela explicou que alguns profissionais podem se equivocar e achar que um entalhe é uma rotura. “Isso muda totalmente o contexto porque quando você fala que uma menina está com uma rotura, está dizendo que houve uma lesão traumática provavelmente por penetração. Às vezes, pode não ser uma rotura. É muito importante que essa perícia seja feita por um profissional extremamente treinado nessa questão que saiba analisar o hímen de forma adequada. A perícia sexológica é considerada uma das mais difíceis da Medicina Legal”, ressaltou.

 

Ela observou ainda que nem tudo é abuso sexual, podendo haver casos de alterações e doenças.

 

A expositora esclareceu também diferença entre abuso sexual infantil e pedofilia. Explicou que abuso sexual infantil é a prática sexual em relação à criança, seja por adolescentes ou por adultos, com desproporção de maturidade sexual entre a vítima e o praticante. Pedofilia é o nome de uma doença psiquiátrica de transtorno de preferência sexual, em que o indivíduo tem preferência sexual por crianças. Esse indivíduo não pode ser menor de 16 anos de idade e tem que haver uma diferença de pelo menos cinco anos entre o praticante e a vítima. “O indivíduo que tem essa doença tem preferência pelo corpo infantil, que não desenvolveu as características sexuais. Indivíduos adultos que têm relação sexual com adolescentes não podem ser chamados de pedófilos”, ressaltou.

 

RF (texto) / LS e RF (fotos)


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