89 - Contornos do mandado de busca e apreensão – requisitos legais e extensão da atividade policial

 

RODRIGO CARNEIRO GOMES - Delegado Federal
 

É tema entusiasmante a polêmica que se criou em torno da imputada conduta de “invasão” em escritórios de advocacia com suposta violação de prerrogativas e com mandados de busca e apreensão tidos como ilegais, porque genéricos e cumpridos em local diverso daquele da jurisdição da autoridade judiciária expedidora.

 

A realidade contada, no entanto, é muito diferente da cotidiana do trabalho policial.

 

Não há “invasão”, na concepção do Código Penal, ou semântica, além do que não se pode perder de vista que as diligências policiais são precedidas de ordem judicial, conjugada ao parecer do Ministério Público Federal, além de, em nome da transparência do serviço público policial, haver prévia comunicação à Comissão de Prerrogativas da OAB, apesar do DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL estar isento de tal obrigação por força de decisão liminar, em Ação Direta de Inconstitucionalidade, que suspendeu a eficácia do art. 7º, II, parte final da Lei nº. 8.906/94.

 

Em que pese a apregoada ilegalidade de procedimentos policiais, apenas uma representação foi formulada perante o Ministério da Justiça e, pelo que, internamente, até agora se apurou, não houve nenhuma ilegalidade no cumprimento das ordens judiciais, até porque foram, efetivamente, encontradas pastas com a denominação “blindagem de bens”. Eu disse apenas UMA REPRESENTAÇÃO e que, de plano, por determinação do Exmo. Ministro de Estado de Justiça originou uma Sindicância, iniciando-se a devida apuração, sem corporativismo.

 

As alegações genéricas e sem fundamentação partem da crença geral que o Estado de Direito vale para os pobres e não para os ricos, em sua grande parte industriais e empresários com efetivo trânsito entre as altas autoridades brasileiras, que pensam estar imunes ao paquiderme que é o nosso Estado, seja pela sua lentidão, seja pelo arcaico arcabouço jurídico recursal, judicial e administrativo-tributário.

 

As acusações genéricas são levianas e denigrem a imagem institucional e dos profissionais de alta qualificação e comprometimento pessoal que fazem do risco de vida diário a sua maior contribuição para um Estado mais justo e igualitário, e nunca para um Estado em busca de manutenção do poder político.

 

Num País como o Brasil, que, ao lado de Serra Leoa, tem a pior distribuição de renda do mundo, com um índice de corrupção semelhante ao que tinha há 7 anos atrás, grassa a impunidade e, assim, mesmo ainda querem amordaçar a Polícia Federal.

Já dizia PIERO CALAMANDREI[1][1] que a parcialidade do advogado é a garantia da imparcialidade do Juiz.

Contudo, essa parcialidade guarda limites na Constituição Federal e na Lei nº. 8.906/94, e, especialmente, nas prerrogativas funcionais de Magistrados, Promotores e Procuradores da República, Delegados de Polícia e servidores públicos em geral.

O sigilo profissional dos advogados é uma manifestação do direito de defesa, e não é esse o objeto das investigações e operações policiais e nem dos mandados de busca e apreensão. A incursão no inviolável local de exercício de atos da profissão nada interessa à Polícia Federal, enquanto ligado umbilicalmente à sua atividade-fim, qual seja a defesa de interesses de terceiros, face ao Estado.

É de clareza solar que a legislação processual penal admite a busca em escritório de advocacia, especialmente, se o advogado estiver na posse do corpo de delito (artigo 243, § 2º do CPP) ou se o próprio advogado for suspeito da prática de algum ilícito. Nesse aspecto, os Tribunais Regionais Federais têm consignado, à exaustão, a legalidade do procedimento policial, que há décadas ocorre com fulcro na legislação citada:

Como assegurou o TARS, na JTAERGS 95/42 (atente-se para o art. 4º da EC nº. 45/2004), “Mesmo que a coisa buscada seja determinada, e os executores devam limitar-se ao estritamente necessário para que a diligência se efetue, não há proibição legal de que sejam apreendidos outros objetos que constituem corpo de delito de infração penal”, e, complementado por acórdão do TRF 3ª Região: não se poderia exigir que – a autoridade - conhecesse quais os documentos e arquivos continham, por assim dizer, as informações que interessavam à justiça”, pois era necessária a “análise de documentos fiscais envolvendo conhecimentos de finanças, de operações bancárias e de informática”. (MS nº. 247.735, processo nº. 2003.03.00.017120-6, 1ª Seção do TRF 3ª Região, Rela. Desembargadora Federal RAMZA TARTUCE -RTRF 62/120).

A Instrução Normativa nº. 11-01/DG-DPF-MJ da Direção-Geral do Departamento de Polícia Federal, publicada no Boletim de Serviço nº. 129, de 09-07-01, e no DOU nº. 126, Seção 1, de 02.07.2001, assegura, em compasso com o art. 245, § 7º do CPP, o acompanhamento de toda a diligência de busca e apreensão por duas testemunhas, preferencialmente não policiais, ficando uma cópia do termo de diligências (auto circunstanciado) com o proprietário, morador ou  preposto, com comunicação imediata do resultado à autoridade judiciária. Veja-se:

70. Após a realização da busca, mesmo quando resultar negativa, será lavrado auto circunstanciado, assinado por duas testemunhas presenciais.

70.1 O resultado da diligência será imediatamente comunicado à autoridade judiciária.

70.2 Cópia do auto de apreensão será fornecida ao detentor do material apreendido.”

MIRABETE, no seu “Código de Processo Penal Interpretado”[1][2], leciona:

“240.1 A fim de que não desapareçam as provas do crime, a autoridade policial deve apreender os instrumentos e todos os objetos que tiverem relação com o delito (art. 6º, II). O art. 240 relaciona ainda objetos e pessoas que podem ser objeto da busca e apreensão tanto pela autoridade policial como pelo juiz, quando fundadas razões a autorizarem. Embora a busca e a apreensão estejam insertas no capítulo das provas, a doutrina as considera mais como medida acautelatória, liminar, destinada a evitar o perecimento das coisas e das pessoas.

...

243.1 É de se notar que não se permite a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, em restrição advinda da necessidade de se manter o sigilo profissional e, mais ainda, do amplo direito de defesa. A proibição é restrita ao ‘documento’, não se estendendo a outras coisas, como armas, instrumentos ou produto do crime etc.” Idem, p. 539. (Negritou-se).

Contudo, mais adiante, o autor doutrina que embora não seja permitida a apreensão de documento confiado ao advogado, essa apreensão torna-se legal, permitida, aceitável, quando o documento se consubstancie em “corpo de delito”. Veja-se:

“Além disso, a apreensão do documento é permitida quando se trata de elemento de corpo de delito, como, por exemplo, falsidade documental, estelionato por meio de contrato etc. Também é permitida quando o advogado não é patrono do acusado, é co-autor do ilícito ou possui papéis não em razão de suas funções.”

Portanto, o que não é corpo de delito, instrumento ou produto do crime e diga respeito exclusivamente ao exercício ético da advocacia não é objeto de apreensão. São excluídos:

“- I. documentos relativos a outros clientes do advogado ou da sociedade de advogados, que não tenham relação com os fatos investigados;

- II. documentos preparados com o concurso do advogado ou da sociedade de advogados, no exercício regular de sua atividade profissional, ainda que para o investigado ou réu;

- III. contratos, inclusive na forma epistolar, celebrados entre o cliente e o advogado ou sociedade de advogados, relativos à atuação profissional destes;

- IV. objetos, dados ou documentos em poder de outros profissionais que não o(s) indicado(s) no mandado de busca e apreensão, exceto quando se referirem diretamente ao objeto da diligência;

-V. cartas, fac-símiles, correspondência eletrônica (e-mail) ou outras formas de comunicação entre advogado e cliente protegidas pelo sigilo profissional”. (Art. 4º da Portaria nº. 1288/05-MJ).

A fim de corroborar a lisura dos procedimentos do DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, trago à colação outros dispositivos da IN nº. 11/01-DG/DPF/MJ, que regem a nossa instituição desde o ano de 2001, e que antes mesmo dessa data recebiam o mesmo tratamento:

“SEÇÃO VI

DA BUSCA DOMICILIAR

 

65. A busca domiciliar será feita mediante mandado judicial, precedida de investigação sobre o morador do local onde será realizada, visando colher elementos sobre sua pessoa (atividades, periculosidade e contatos), sempre que possível com a presença da autoridade policial e de testemunhas não policiais, observando-se as regras estabelecidas nos arts. 240 a 250 do CPP.

...

67. Ao representar perante a autoridade judiciária pela expedição de mandado de busca, a autoridade policial deverá fazê-lo de forma fundamentada, indicando o local onde será cumprido e, sempre que possível, o nome do morador ou sua alcunha e os fins da diligência.

68. No curso da busca domiciliar, os executores adotarão providências para resguardar os bens, valores e numerários existentes no local, preservar a dignidade e evitar constrangimentos desnecessários aos moradores.

68.1 Os executores da busca providenciarão para que o morador e as testemunhas acompanhem a diligência em todas as dependências do domicílio.

69. Ocorrendo entrada forçada em virtude da ausência dos moradores, os executores adotarão medidas para que o imóvel seja fechado e lacrado após a realização da busca, que será assistida por duas testemunhas não policiais.

70. Após a realização da busca, mesmo quando resultar negativa, será lavrado auto circunstanciado, assinado por duas testemunhas presenciais.

70.1 O resultado da diligência será imediatamente comunicado à autoridade judiciária.

70.2 Cópia do auto de apreensão será fornecida ao detentor do material apreendido.

71. A busca em repartições públicas, quando necessária, será antecedida de contato com o dirigente do órgão onde será realizada.”

O Diário Oficial da União, Seção I, nº 125, p. 50, de 01-07-2005, publicou as Portaria nº. 1.287, e 1288, ambas de 30 de junho de 2005. Destaco os principais pontos da Portaria nº. 1288, relacionado ao cumprimento de mandados de busca em escritórios de advocacia:

a. participação de advogado na prática delituosa sob investigação;
b.  instrumento ou produto do crime ou que constitua elemento do corpo de delito em poder de advogado;

c. documentos ou dados imprescindíveis à elucidação do fato em apuração (art 2º, Portaria nº. 1288).

Outros pontos importantes:

Requisitos da representação de busca:

 

- instrução do pedido com todos os elementos que justifiquem a adoção da medida;

- indicação, com a maior precisão possível:

das razões da diligência do local, de forma fundamentada;

da finalidade da busca

dos objetos que se pretende apreender. (art. 1º da Portaria nº. 1287/MJ)
- MENCIONAR na representação se no local de busca funciona escritório de advocacia (art. 1º, Portaria nº. 1288).

 

Recomendação de execução da busca:


- comunicação à respectiva Secção da OAB, antes do início da busca, facultando o acompanhamento da execução da diligência  (art. 1º, Portaria nº. 1288)
- leitura prévia do conteúdo do mandado para preposto encontrado no local da diligência;
- comando e responsabilidade de Delegado de Polícia Federal;
- discreta, com meios proporcionais, adequados e necessários;
- sem a presença de pessoas alheias ao cumprimento à diligência;
- preservação da rotina e o normal funcionamento do local da diligência;

- backup de suportes eletrônicos, computadores, discos rígidos, bases de dados, por perito criminal federal especializado (art. 3º da Portaria nº. 1287/MJ).

 

Medidas após a execução do mandado de busca:

 

- comunicação ao magistrado;

- objetos arrecadados ou apreendidos que não tiverem relação com o fato em apuração serão imediatamente restituídos a quem de direito, mediante termo nos autos. (art. 4º, § 2º da Portaria nº. 1287/MJ);
-  faculdade de o interessado extrair cópia dos documentos apreendidos, inclusive dos dados eletrônicos, que não foram objeto de restituição, mediante justificativa, para evitar o uso protelatório em prejuízo da investigação.

 

A comunicação à Seccional da OAB, ao advogado plantonista da Comissão de Prerrogativas, era prevista na parte final do inciso II do art. 7º da Lei nº. 8.906/94. Teve sua eficácia suspensa pela liminar deferida na ADI nº. 1127-8/PE, Rel. Min. Paulo Brossard, julgada em 06.10.94.

A revitalização do disposto legal em Portaria ministerial, em uma releitura da interpretação conforme a Constituição, só pode ser entendida, para que haja razoabilidade e proporcionalidade, com as ponderações feitas pelo Ministro Relator da ADI, “in verbis”:

“Se a busca e apreensão é determinada por Juiz competente, ela há de fazer-se sob a sua autoridade e responsabilidade e não ficar na dependência de quem não exerce poder jurisdicional, ensejando a frustração da medida. Pode haver urgência na sua execução, e é natural, a maior reserva, sob pena de tornar-se inócua; se o Juiz antes de executar sua decisão dela devesse dar ciência à OAB, algumas pessoas dela teriam prévia notícia, com as inevitáveis e óbvias conseqüências; ou o caso é de busca e apreensão ou não é; se for, tem de ser executado com presteza, exação e reserva, se não for, o Juiz não o determinará.” (Negritou-se).

Alguns propalam, ainda, que gera intranqüilidade a incursão em escritórios de advocacia, porque é impossível que a autoridade policial não tome conhecimento de outros casos, de outros nomes e de outros dados, estranhos à investigação.

Tal preocupação é desarrazoada. A autoridade policial está vinculada aos fatos investigados num determinado inquérito policial e, quando no escritório de advocacia, não poderá violar o sigilo profissional entre advogado e cliente que não seja objeto da investigação, sob pena de, se a prova atingir clientes estranhos à investigação, ser considerada ilícita.

Toda documentação ficará intacta e, caso errônea ou equivocadamente arrecadada, no momento imediatamente subseqüente à diligência, será devolvida, mediante recibo. Destaca-se, ainda, a existência do incidente de restituição de coisas previsto nos art. 118 do CPP. O item 148 da Instrução Normativa nº. 11/01-DG-DPF/MJ, de 27 de junho de 2001, muito antes da edição do art. 4º, § 2º da Portaria nº. 1287/MJ já previa a restituição de bens que não interessem à investigação:

“148. Quando cabível, a restituição de coisas apreendidas será feita mediante termo próprio, observando-se o disposto no art. 120 e parágrafos do CPP”.

Inexiste no ordenamento jurídico o aludido mandado de busca e apreensão “genérico” e um outro tradicional. O que existe é uma ordem judicial na modalidade de busca e apreensão, que pode ser domiciliar ou pessoal, cujos requisitos estão no art. 243 do CPP: indicação da casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; o motivo e os fins da diligência; subscrição pelo escrivão e assinatura do magistrado; constar se houver ordem de prisão.

Falhas pontuais e isoladas na representação por buscas ou na expedição de mandados não geram qualquer nulidade ou prejuízo, desde que haja a fundamentação exigida constitucionalmente pelo art. 93, inciso IX da C.F.-88, aplicando-se o princípio “pas de nullité sans grief”: é legítima e válida a diligência e provas produzidas, respeitados o sigilo e a garantia do exercício da advocacia.

Não se propala que o mandado de busca e apreensão deva ser amplo e irrestrito ao extremo de admitir a apreensão de tudo o que esteja no local objeto de busca, contudo, deve incumbir à autoridade policial, com bom senso e equilíbrio, o exame daquilo que se apreende, com observância dos parâmetros legais: produto ou instrumento do crime, corpo de delito, dados, informações e indícios relativos ao delito investigado e não às atividades inerentes ao exercício da advocacia, quando o advogado não seja o próprio investigado.

Veja-se a redação expressa dos arts. 6º e 240 do CPP:

“Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

... VII - determinar, se for caso, que se proceda a exame de corpo de delito e a quaisquer outras perícias;

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

§ 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para:

a) prender criminosos;

b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

... e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

... h) colher qualquer elemento de convicção.” (Sem destaques no original).

Assim, a legislação processual trata de “objetos", “coisas achadas”, “qualquer elemento”, ou seja, não consigna a obrigatoriedade prévia de determinação do objeto buscado, por falta de previsibilidade da autoridade investigante, que, justamente, “procura” os indícios e provas, sob pena de frustração da futura ação penal.

Um outro ponto que deve ser tocado é que não há previsão legal para que os mandados de busca e apreensão, expedidos em uma comarca ou seção judiciária e cumpridos em outra diversa, sejam precedidos de carta precatória, em especial, se o delito tem repercussão interestadual e exige repressão uniforme. Contudo, por analogia, admite-se essa interpretação, ex vi dos arts. 289 e 353 do CPP.

Reza o art. 289 do CPP:

“Art. 289. Quando o réu estiver no território nacional, em lugar estranho ao da jurisdição, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado.

Parágrafo único. Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por telegrama, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como, se afiançável a infração, o valor da fiança. No original levado à agência telegráfica será autenticada a firma do juiz, o que se mencionará no telegrama.”

Na verdade, sob a ótica da “homologação”, o tema, quando é abordado, tem tratamento no art. 780 do CPP, que prevê a necessidade de confirmação em hipótese de sentença e diligências instrutórias penais estrangeiras:

“Art. 780. Sem prejuízo de convenções ou tratados, aplicar-se-á o disposto neste Título à homologação de sentenças penais estrangeiras e à expedição e ao cumprimento de cartas rogatórias para citações, inquirições e outras diligências necessárias à instrução de processo penal.”

Frise-se, contudo, que não existe exigência legal expressa ou regimental quanto à homologação de mandado de busca e apreensão, e mesmo nas hipóteses de mandados de prisão “em aberto”, ou seja, não cumpridos, pode, diante das circunstâncias, uma autoridade municipal, estadual ou federal, ainda que não policial, ou mesmo um segurança contratado pela Justiça eleitoral (na oportunidade em que um foragido vai buscar o título eleitoral, por exemplo) proceder à prisão do “procurado”, com encaminhamento à autoridade policial mais próxima para adoção das medidas cabíveis.

De qualquer forma, o Superior Tribunal de Justiça se pronunciou algumas vezes, para atenuar a exigência de expedição de carta precatória para cumprimento de mandado de prisão. Com muito mais razão, a atenuação também deve ocorrer no cumprimento de mandado de busca e apreensão que colide com um direito fundamental menor que a liberdade.

Veja-se:

“PROCESSUAL PENAL - RECURSO DE HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO - INOCORRENCIA - PRISÃO EFETUADA FORA DE JURISDIÇÃO DO JUIZ QUE A DECRETOU.

1. NÃO CABE ALEGAR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO DECRETO DE PRISÃO PREVENTIVA, QUANDO ESTE SE APRESENTA FUNDADO NOS PRESSUPOSTOS DO ART. 312 DO C.P.P.

2. A LEI PROCESSUAL PENAL NÃO IMPEDE SEJA A PRISÃO DO REU EFETUADA FORA DA JURISDIÇÃO DO JUIZ QUE A DECRETOU, DESDE QUE SOLICITADA E A VISTA DO RESPECTIVO MANDADO.

3. RECURSO IMPROVIDO. (RHC 4576/CE; Ministro ANSELMO SANTIAGO, 6ª Turma do STJ, publ. no DJ de 21.08.1995, p. 25408 e RSTJ, vol. 81, p. 394).

“HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA FORA DA JURISDIÇÃO DO JUIZ QUE A DECRETOU. CUSTÓDIA QUE ATENDEU AS FORMALIDADES DO ARTIGO 289 DO CPP. Ordem denegada”. (HC 15893/PI; Relator Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, 5ª Turma do STJ, publ. no DJ de 24.09.2001, p. 324).

CONCLUSÃO

Não existe, pois, mandado de busca e apreensão genérico, e nem pode ser assim classificado qualquer um que reúna os requisitos mínimos do art. 243 do CPP.

Frise-se que não tem a autoridade policial quando faz a representação e a autoridade judiciária quando a atende, noção exata das características do objeto buscado, pois podem ser indícios, provas ou documentação contábil, por exemplo.

Nem de outra forma poderia ser, pois, caracterizaria que a autoridade policial obteve acesso não autorizado ao domicílio, escritório ou local de trabalho do investigado, o que tornaria a prova ilícita e é incompatível com o Estado de Direito.

As pretendidas exigências de delimitação do fato delituoso, identificação do investigado e qual o objeto a ser buscado não encontram amparo legal.

O mandado judicial de busca e apreensão nada mais é do que um traslado, um extrato, da decisão judicial que afastou a garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio, em colisão contra outro direito fundamental, que é o bem-estar social, a incolumidade da sociedade, consubstanciada no “jus persequendi” estatal.

O mandado de busca e apreensão é medida cautelar, antecipatória para garantir a subsistência da prova, do resultado útil da investigação policial, e não juízo de certeza de culpabilidade. Exigir a antecipação do objeto buscado é desconhecer os percalços da atividade policial.

A qualquer tempo, podem os advogados requerer o backup de seus arquivos ou cópia dos documentos apreendidos. A devolução de material equivocadamente apreendido é objeto de restituição imediata, mediante provocação, ou de ofício. Embora a Portaria nº. 1287/MJ preveja que deve ser feito o backup dos computadores, e não sua apreensão, não se pode desconhecer que existem programas que ocultam os arquivos do computador, e que, inclusive, há ferramenta do sistema operacional Windows que permite a ocultação mencionada, podendo, inclusive, haver perda de dados valiosos num backup.

Por fim, o exercício da atividade de polícia judiciária não tem como escopo violar prerrogativas da nobre classe dos advogados, que muito contribuem para a melhor distribuição de Justiça, mas apenas separar o joio do trigo, pelo combate à criminalidade organizada que coopta profissionais de todas as áreas, como inclusive demonstra recente estatística divulgada pela OAB-RJ, pela qual foram desligados 13 profissionais por ligação com o crime organizado (Informação obtida em reportagem de Fábio Vasconcelos publicada em “O Globo” de 31/7/2005 e reproduzida em http://conjur.estadao.com.br/static/text/36716,1, em 02.08.2005).

Conclui-se que as apreensões de computadores são evitadas, procedendo-se ao backup das máquinas, quando não haja possibilidade de perda de dados ou de arquivos ocultos. Contudo, quando assim ocorrer, é facultado o backup de todos arquivos, a fim de não prejudicar a atividade do nobre mister dos advogados. A representação da busca e apreensão só será feita quando os computadores consubstanciarem corpo de delito, instrumento ou produto de crime ou na hipótese de o advogado ser o objeto da investigação. Tudo isso será objeto de decisão fundamentada do magistrado, dentro do inquérito policial (com preservação do sigilo na relação advogado-cliente daqueles não envolvidos), e não no mandado de busca e apreensão, que não é a sede própria, além de prejudicar o sigilo das diligências e a intimidade do investigado.

 

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

 

[1][1] CALAMANDREI, PIERO. “ELES, OS JUÍZES, VISTOS POR UM ADVOGADO (Elogio dei Giudici scritto da un avvocato)”, Ed. MARTINS FONTES, São Paulo, 1ª ed., 5ª tiragem, 2000, tradução de Eduardo Brandão.

[1][1] MIRABETE, Julio Fabbrini. “Código de Processo Penal – Interpretado”, 8ª ed., São Paulo, Editora Atlas, 2001, p. 535.

 

RODRIGO CARNEIRO GOMES é delegado de polícia federal, pós-graduado em Direito Processual Civil e pós-graduando em Defesa Social e Segurança Pública, em Brasília/DF. Foi assessor de ministro do Superior Tribunal de Justiça e assessor de sesembargador do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. (rodrigo.rcg@dpf.gov.br)


 

 


 

 

 




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