50 - Uma mulher especial

DORA MARTINS - Juíza de Direito


 

Ela acredita numa justiça mesmo especial, diferente. Uma Justiça cara a cara com a gente do povo, que precisa acreditar na Justiça presente. Ela acha que o juiz que sai  à rua não tem medo de ser um juiz justo, humano, um juiz que possa defender a dignidade da Justiça, que anda, coitada, meio desacreditada. Ela é uma juíza que vai contra ou a favor das fortes correntes do rio Amazonas. É juíza que segue em meio à floresta, para encontrar seus jurisdicionados, que lhe pedem, além de justiça, médico, carteira de trabalho, educação, e querem se casar, com toda a devida documentação.

 

Nas longínquas águas amazônicas, ela põe, a cada dois meses, um barco a navegar. O barco ia se chamar Tribunal, mas o caboclo ribeirinho dizia mesmo Tribuná. Então, assim ficou o nome do barco, porque o povo é que sabe onde lhe dói o calo, onde não pode calar. E ela é pacienciosa juíza, que tem que brigar, muita vez, com seus pares, seu Tribunal, que não entende muito bem aonde ela quer chegar. Mas, ela não quer chegar. Já chegou. Ela, todo sábado, vai à praça, com o grande ônibus, que é perfeita sala de audiência. E o povo que trabalha a semana toda faz fila e espera, paciente, contente, sob sol ardente daquela Amazônia de Meu Deus! E, se a praça da cidade anda suja, mal cuidada, na segunda-feira segue um ofício educado para o senhor Prefeito, lembrando que a praça é do povo. E, agora, depois de tantos anos, já não há mais praça suja ou abandonada em Macapá. É só ir lá e conferir.

 

Nas dependências do seu cartório, no fórum, ela colocou para o povo, que fica na espera, um sofá grande para se sentar, e, defronte dele, um grande aquário, iluminado, com peixes a nadar e que fazem o povo sonhar. Seus funcionários não trabalham. Mais que isso, vivem o dia-a-dia de um cartório ordeiro, mas festeiro. O Juizado Especial de Macapá já foi agraciado com vários prêmios e visitado por inúmeros jornalistas de vários locais do mundo. Já foi notícia na TV alemã, inglesa e belga e australiana. Só a imprensa brasileira é que não vai muito lá, conhecer ou visitar.

 

No Juizado, foi criada uma modernidade muito útil. Sem sair de casa, o cidadão propõe seu pedido por telefone ou internet. A demanda não é pouca, mas, para quem não tem medo de trabalho e trabalha com prazer, “é um prazer atendê-lo, senhor”! Também há o premiado programa “Justiça na Escola”. Então, a cada quinze dias, lá vai o cartório ambulante, às escolas públicas, para atender à população. Agora, neste ano, as escolas particulares foram reclamar da discriminação porque estavam fora da programação.

 

Sueli Pereira Pini tem 45 anos, 14 anos de magistratura amapaense e está há dez anos no Juizado Especial da mui grande comarca de Macapá. Logo no início da carreira, depois de judicar uns anos na área criminal, desabafou com um amigo: “não acredito no que estou fazendo. Não acredito que enjaular gente resolva alguma coisa. Vou mudar de rumo”. O amigo, amigo de fato, de direito e amigo do peito,  lembrou a ela que em breve se instalariam os Juizados das tais, então, “Pequenas Causas”. Sueli não titubeou: arregaçou as mangas --- virou tudo uma grande causa! ---  e saiu pra a rua a dividir, distribuir e trocar justiça com o povo. E nisso se encontrou e achou motivo para ficar na magistratura. E assim o fez, por acreditar, simplesmente acreditar, que só se pode mudar algo, neste país, com ação, mais do que com palavras postas, às vezes frias, numa decisão.

 

Ela tem ímpar habilidade conciliatória, fruto, com certeza, do amor com que leva seu dia-a-dia. Os seis filhos são bem o retrato disso. Fez uma casa bonita na calorenta Macapá. Casa grande, com enorme cozinha, casa cheia de crianças, e, defronte da casa, há um banco de madeira, desses rústicos, de jardim, pro povo sentar. E pra ela, também, com os filhos, no fim da tarde, a ver a vida passar.

 

Dizer, enfim, neste mês de março, no qual se comemora o já meio batido dia da mulher (todo dia o é!), que Sueli Pini é uma mulher de ação seria óbvio demais. Ela é mulher de destemido coração, olhar calmo e voz feliz.  Até acho que seria uma boa indicação para qualquer prêmio que reconheça o valor de quem sabe que a vida vale pelo sonho, pelo sonho que se sonha sem cessar. Taí, acho que a juíza amapaense Sueli Pini, por fazer tão bem o que faz em prol do povo e da justiça,  bem merecia um Nobel da paz! Por que não!?!

 

 

Dora Martins é juíza auxiliar da Capital do Estado de São Paulo.

 

 


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