31 - Limite da responsabilidade do fiador na execução decorrente de fiança prestada em contrato de locação de imóvel

 
WILSON TÚLLIO ALVES DE ANDRADE – Advogado
 

 

Avolumam-se, a cada dia, os processos de execução civil, interpostos em face de fiadores de imóveis dados em locação, os quais, por qualquer razão, subscreveram referidos contratos de adesão, na qualidade de garantidores da obrigação locatícia ali avençada, entre inquilino e proprietário.

 

Sucede, que, aludido ajuste bilateral, justamente por ser de “adesão” (previamente confeccionado pelas administradoras de imóveis), não oferece aos fiadores em comento, nenhuma oportunidade de negociar suas cláusulas, em especial, a que os vincula temporalmente à obrigação principal, “até a efetiva devolução das chaves do imóvel locado, pelo inquilino”.

 

Com efeito, em 95% dos casos, o débito posto em execução, cinge-se à inadimplência de valores relacionados ao não pagamento de aluguéis pelo locatário, verificada quando o contrato já se havia prorrogado no tempo, ou seja, após o vencimento do prazo nele estipulado, quando, de acordo com o atual entendimento consolidado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, através de sua Súmula de nº 214, já nenhuma responsabilidade assiste ao fiador, porquanto, sua intenção inicial, não foi a de permanecer indefinidamente obrigado, mas, ao revés, apenas pelo período contratualmente delimitado, exato à interpretação teleológica contida no art. 85, da legislação material civil.

 

Destarte, uma vez vencido o contrato, se inexistente um aditamento expresso, subscrito pelo fiador, assentindo em sua permanência como garantidor daquela obrigação fidejussória inicialmente pactuada, não pode a cláusula acima apontada, estender indefinidamente no tempo a sua responsabilidade, uma vez que, nosso Código Civil, determina em seu art. 1.483, que, em matéria de fiança, não se admite interpretação extensiva, razão pela qual, sobredito Tribunal Superior, por meio de sua Terceira Seção, vem decidindo, reiteradamente, pela insubsistência de referida cláusula contratual, de forma a gerar a exclusão de tais garantidores, do pólo passivo do processo executivo, determinando, em conseqüência, o levantamento da penhora, inicialmente constituída sobre bem de sua propriedade, o qual, no mais das vezes, constitui-se no único imóvel por eles habitado, cuja proteção contra atos de constrição judicial (penhora), determinados em processos de execução, em casos que tais, encontra necessário óbice à fruição dos benefícios de impenhorabilidade do bem de família, derivados da Lei 8.009/90, consoante se dessume da exceção contida no inciso VII, do art. 3º, da Lei Federal em comentário.

 

O debate da questão em Juízo, tem sido longo e por vezes árduo, uma vez que, a percepção sobre o tema, já inclusive sumulada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, não possui nenhuma receptividade em primeiro grau de jurisdição, muito menos, junto ao Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, consoante se pode inferir da análise de julgado oriundo de aludido Tribunal Paulista e publicado na edição de outubro de 2.001, do jornal Tribuna do Direito, em AI nº 627.110-00/9, interposto por este profissional àquela Corte Estadual, cujo provimento restou negado pelo nobre relator, mas reformado, entrementes, pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, determinando a exclusão dos fiadores do pólo passivo da execução em face deles intentada.

 

“FIANÇA. LOCAÇÃO. CONTRATO PRORROGADO. SUBSISTÊNCIA DA GARANTIA ATÉ EFETIVA DEVOLUÇÃO DO IMÓVEL. APLICAÇÃO DO ART. 39 DA LEI 8.245/91 – Se a fiança foi prestada não por tempo certo, mas até efetiva devolução do imóvel locado, a garantia persiste em caso de prorrogação da locação por tempo indeterminado, não se configurando novação capaz de exonerar o fiador (2ºTACSP, 10ª Câm., j. 26.4.00, rel. juiz Soares Levada).

 

Tem-se, que o nobre relator acima apontado, valeu-se, data maxima venia, de interpretação extensiva por ele conferida ao art. 39, da Lei Inquilinária, em total dissonância à intelecção literal que vem sendo outorgada a tal dispositivo de lei, pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, conforme se pode observar da observação do trecho de recentíssima decisão proveniente da Quinta Turma daquele Tribunal Superior, da lavra do em. Min. GILSON DIPP, nos Edcl nos Edcl no AgRg no Recurso Especial, julgado em 22.05.2.001, de cujo brilhante voto pede-se vênia para extrair a seguinte passagem “verbis”:

 

“Com efeito, veja-se que o referido artigo 39, da Lei Inquilinária, assenta que “Salvo disposição em contrário, qualquer das garantias da locação se estende até a efetiva entrega das chaves”. Ora, na espécie, a fiança foi prestada por prazo limitado, descabendo se estendê-la, fictamente, para além desse lapso temporal. É certo que procurar dar extensividade ilimitada à garantia fidejussória que é limitada, configura, inarredavelmente, dupla ofensa ao art. 1.483, do Código Civil,  que exige a forma escrita ao instituto da fiança, além de vedar a sua interpretação extensiva. Neste diapasão, impende observar que o precitado dispositivo da Lei 8.245/91, não determinou a extensividade da fiança em prejuízo da voluntária e desinteressada manifestação de vontade do fiador. É tanto assim que, na hipótese da a fiança haver sido prestada por prazo certo – como na hipótese -, e a locação se prorrogar indeterminadamente, dito diploma, em seu inciso V, art. 40, ofertou ao locador a possibilidade de exigir novo fiador, ou mesmo a substituição da modalidade de garantia.

É bem de ver, então, que a solução para a mantença da credibilidade e estabilidade dos negócios jurídicos, no que se refere à fiança prestada em contrato locatício, não é, certamente, a violação da legislação que ampara este instituto jurídico, por intermédio de interpretação que, despropositadamente, quer fazer se perpetuar no tempo obrigação que, expressa e induvidosamente, teve o seu termo final ajustado” (REsp nº 275.383-MG - Repertório IOB de Jurisprudência – 3/18224).

 

De todo o exposto, pode-se concluir pela incomensurável importância de se conduzir a matéria ao Tribunal Superior em referência, por meio de Recurso Especial interposto da decisão final do Tribunal a quo, com suporte nas alíneas ‘a’ e ‘c’, do inciso III, do art. 105, da Lei Maior, haja vista, que, enquanto a Corte de Justiça em questão (STJ), não se pronunciar em definitivo sobre a questão em exame, a execução em curso, só pode galgar desenvolvimento em sua forma provisória (Resp nº 243245-SP – 1ª Turma – DJU 2.5.00 – Rel. Min. JOSÉ DELGADO), não se permitindo, portanto, sem a prestação de efetiva caução idônea pelo autor da execução (art. 588, II, CPC, com a nova redação conferida pela Lei Federal nº 10.444, de 07.05.2002), possa o bem do fiador constrito nos autos da execução, sofrer a respectiva arrematação em hasta pública, tendo-se observado, contudo, que a expressiva maioria dos credores têm preferido, ao invés de comprometer-se com a prestação de referida caução, aguardar o julgamento do Recurso interposto junto ao Superior Tribunal de Justiça, o qual, inevitavelmente, declarará a isenção dos fiadores quanto ao débito posto em execução, se enquadrado na hipótese ora aventada, cabendo aos fiadores, inclusive, a reparação pelos danos morais e materiais, derivados de uma execução injusta e desprovida do devido título executivo a amparar sua existência e validade.

 

No mais, cumpre ainda assinalar, por imperioso, que as novas disposições do Código Civil de 2002 (Lei Federal nº 10.406/02) atinentes à matéria sub examine, em nada alteraram a linha de argumentação defensiva ora sustentada, haja vista que o art. 819 da novel codificação substantiva vigente, que substituiu o art. 1.483 revogado, manteve na íntegra, o texto anterior, o que, de resto, igualmente se sucedeu com os demais dispositivos regentes do instituto da garantia fidejussória, ínsitos ao novo Diploma Legal em comentário.

 

Assim decidindo, vem o C. Superior Tribunal de Justiça, cumprir sua missão primeira, consubstanciada em velar pela uniformidade de interpretação do direito federal, além de contribuir com a efetiva entrega da adequada tutela jurisdicional, enquanto escopo síntese da jurisdição.



O Tribunal de Justiça de São Paulo utiliza cookies, armazenados apenas em caráter temporário, a fim de obter estatísticas para aprimorar a experiência do usuário. A navegação no portal implica concordância com esse procedimento, em linha com a Política de Privacidade e Proteção de Dados Pessoais do TJSP