5 - O esdrúxulo controle externo (*)

DOMINGOS FRANCIULLI NETTO - Ministro do STJ 
 

Virou moda e hoje é politicamente correto para boa parte da sociedade, e até para alguns membros do Judiciário, defender o controle externo da magistratura, até sem a reflexão que a matéria tão importante está a merecer. É uma versão do politicamente correto em sentido amplo. Na última acepção, Paulo Ferreira da Cunha, conceituado professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, na sua obra Miragens do Direito, em feliz síntese, diz que ‘‘o politicamente correto, que pretende elevar-se a pensamento único, é uma nova ideologia totalitária. E mais perigosa e sutil porque não se afirma nem se pretende como tal. Não tem sede, nem partido, nem líder. É difusa, e a todos sempre de algum modo verga, numa permanente colonização cultural, impondo silêncio do que passará por inconveniente, criando tiques e reflexos condicionados que nos levarão a todos a dizer o mesmo...’’ (Millennium, Campinas/SP, 2003, p. 6).

É consabido que nenhum poder é tão fiscalizado quanto o Poder Judiciário. É o único poder que, em sua função precípua, a cada momento, a cada dia, em cada processo, é constantemente fiscalizado. Tal se dá diretamente pelas partes conflitantes, sempre representadas por seus procuradores, que são os que desfrutam da capacidade postulatória; portanto, habilitados para tanto.

Cada lance em que se desenrola o processo dá-se sempre na presença dos advogados e/ou representantes do Ministério Público, os últimos como parte formal ou fiscal da lei (custos legis), de sorte que não há comparação com nenhum outro membro de outro poder, em termos de fiscalização pronta e imediata, com os remédios processuais postos à disposição dos interessados (recursos), sem prejuízo de eventuais representações ou reclamações.

O professor Cândido Rangel Dinamarco, depois de afirmar que conselhos superiores da magistratura de outros países, de formação extremamente heterogênea, não têm produzido bons resultados, aduz que, no Brasil, órgão semelhante, com a participação de advogados, membros do Ministério Público e representantes da cidadania ‘‘seria um verdadeiro cavalo de Tróia, a levar para dentro do Poder Judiciário, com poder de decisão e intimidação, pessoas sem a formação ética preponderante entre juízes, escolhidos sem uma necessária depuração e possivelmente dotados de habilidade e malícia suficientes a inquinar de corrupção os organismos cuja lisura eles supostamente viriam a controlar...’’, a que acresceu ser de toda conveniência limitarem-se os órgãos censórios da magistratura exclusivamente a membros do próprio Poder Judiciário (Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros, v. 1, 2003, p. 409/410).

Conquanto sob o pálio de que se limitará esse esdrúxulo conselho a poderes correicionais e à supervisão administrativa e financeira, não é despropositada a desconfiança de muitos no sentido de que, mais cedo ou mais tarde, poderá haver a sempre indesejável interferência no exercício da função jurisdicional propriamente dita, o que, em ocorrendo, irá ferir de frente a soberania do Poder Judiciário.

O câncer e o diabo são insidiosos. Os estelionatos, não raro, são precedidos daquelas conversas ao pé-de-ouvido, as quais, no meu tempo de criança, eram chamadas de ‘‘cerca-Lourenço’’. Desse temor compartilha o desembargador Celso Luiz Limongi, que, ao assumir a presidência da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), em sessão realizada no dia 11 de fevereiro de 2004, teceu corajosas considerações, dignas de leitura e meditação (cf. http://www.apamagis.com.br/noticias/not20040212.php).

Juristas do mais alto coturno estão levantando suas vozes contra tal controle externo, entre os quais podem ser citados Saulo Ramos, Ives Gandra da Silva Martins, Francisco de Paula Sena Rebouças e Alexandre de Moraes, que lembram, entre outras coisas, que a separação dos poderes, no Brasil, é cláusula pétrea, garantia constitucional inalterável pelo poder constituinte derivado (CF, art. 60, 4º, n. III).

No Poder Judiciário, soam candentes as autorizadas vozes da maioria dos ministros do Excelso Supremo Tribunal Federal, alguns dos quais estão tornando públicas suas opiniões como, por exemplo, os ilustres ministros Maurício Corrêa e Carlos Mário da Silva Velloso. Na mesma esteira, por significativa maioria (20 x 6), pronunciou-se recentemente o Superior Tribunal de Justiça.

Um conselho de âmbito nacional, formado exclusivamente por magistrados, é mais do que suficiente para o fim almejado por todos aqueles que, não desconhecendo as mazelas do Poder Judiciário (bem menores do que aquelas de outros poderes), desejam realmente debelá-las, mas com amplo respeito ao Estado de Direito Democrático e ao sistema presidencialista de nosso país.

(*) Artigo publicado no Correio Braziliense/DF, edição de 08 de março de 2004.


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