Sérgio Ferraz ministra aula sobre responsabilidade civil do Estado

Aspectos históricos e constitucionais acerca da responsabilidade civil do Estado foram analisados na EPM, no último dia 20, pelo advogado e consultor jurídico Sérgio Ferraz, no curso Controle jurisdicional das políticas públicas e responsabilidade do Estado. A aula contou com a participação do desembargador Paulo Magalhães da Costa Coelho e do juiz Luis Manuel Fonseca Pires, coordenadores do curso e da área de Direito Público da Escola.

Em considerações preliminares, Sérgio Ferraz declarou a amplitude, a atualidade e o grande interesse acadêmico do tema. Ensinou que a legenda “responsabilidade civil estatal”, aponta para uma determinada configuração em que se chama para o Estado e suas diversas modalidades estruturais uma imputação de obrigação de reparar danos causados pela ação ou omissão de seus agentes. “Esse dano afeta o princípio da isonomia e provoca um desequilíbrio dentro da sociedade, que há que ser compensado de alguma maneira. A forma mais conhecida de compensação é exatamente a responsabilização do Estado pelo dano”.

De acordo com o palestrante, houve etapas muito interessantes e recentes na história da evolução do tema, a demonstrar a necessidade de reflexão e amadurecimento. Para ilustrar esta assertiva, contou que, com a máxima “o rei não pode errar”, até metade do século passado, havia no Direito inglês, adotado pelo norte-americano, uma concepção da irresponsabilidade patrimonial do Estado e uma responsabilidade concentrada do agente estatal, que deveria responder pelos danos que causasse ao particular. “Nossa história constitucional vai mostrar uma panorâmica de certa maneira parecida com essa. Seja na Constituição de 1824, seja na de 1891, a tese da irresponsabilidade patrimonial do Estado pelos danos por ele causados era prevalecente.”

Em prosseguimento, afirmou que a ideia da responsabilização do Estado em solo brasileiro nem mesmo se define com muita clareza na Constituição de 1934, segundo a qual a responsabilização só se manifestava quando o agente, movido por dolo ou culpa grave, provocasse o prejuízo. Ela só se afirmaria a partir da Constituição de 1946.

“Não havia ainda uma imputação imediata, uma relação causal absoluta entre atuação ou omissão estatal, prejuízo ao particular e a necessidade de recomposição. Havia toda uma ambiência cultural e toda uma construção jurídico-dogmática que levava à afirmação da tese da irresponsabilidade do Estado”, afirmou Sérgio Ferraz. E comentou que o parâmetro majoritário da responsabilidade objetiva do Estado hoje vigente é novo, está ainda em construção e amplia-se dia a dia.

 

O professor salientou que a inclinação pela ideia da responsabilização objetiva confunde-se com a história da civilização, remontando ao período histórico antecedente ao do Império Romano. E apontou os efeitos catastróficos dessa ideia na história. “Quando observamos a grande expansão genocida da Alemanha nazista, no período de 1939–1945, a matança de cem reféns por cada alemão morto, a destinação de milhares aos fornos crematórios, por pertencerem, na concepção dos ideólogos do regime nazifascista, a um povo que supostamente causava mal à humanidade, o que existia aí era uma concepção ideológica de responsabilização objetiva.”

 

Ele comentou que o Direito Civil não ficou imune à tese da responsabilização objetiva, sobretudo a partir do momento em que a causação de um prejuízo passou a ser um fenômeno quase multitudinário. Com isso, ganhou uma força e uma afirmação que atende aos propósitos de uma sociedade pluralizada, que preocupa quanto à extensão da adoção desse tipo de mecanismo.

 

Fenômenos da responsabilização objetiva na contemporaneidade

 

De acordo com Sérgio Ferraz, com o desenvolvimento do sistema de transporte coletivo e o consumerismo dos dias atuais, “subjazem a alguns instrumentos jurídicos que abarcam toda a coletividade, como a contratação de seguros e a adoção dos contratos de adesão, grandes multidões sendo atingidas por ato de alguém ou de alguns. E a constatação do fenômeno traz uma preocupação ampliada, em que, pelas malhas da discussão jurídica da responsabilidade, infiltra-se a possibilidade de alguém sair da inculpação e portanto da reparação que é devida”.

 

O professor ponderou que a responsabilidade objetiva é uma tendência inegável da sociedade e que, por esta razão, será necessário aperfeiçoar os mecanismos de identificação das hipóteses em que a doutrina seja aceita, e também aprofundar o estudo das figuras excludentes, como a culpa do agente, o fato da natureza, etc.

 

“Assiste-se a ideia de responsabilizar todos pelos atos de alguns em razão da impossibilidade de individualizar em certos agentes o cometimento daquela ilicitude. O que se vê é a ideia da responsabilidade objetiva e da coletivização da responsabilidade”, afirmou. E mencionou as leis da Transparência Administrativa e da Anticorrupção, as quais induzem necessariamente a adoção de mecanismos de responsabilização objetiva, sem o qual fica difícil atingir os propósitos que esses diplomas legais têm procurado construir.

 

Sérgio Ferraz lembrou, ainda, o fenômeno da responsabilidade objetiva no combate à lavagem de dinheiro. Observou que, em países como Alemanha, Estados Unidos, Inglaterra, França, Espanha, alguns da América do Sul, os diplomas penais orientam a atuação estatal preventiva ou repressiva para que sejam tidos como cúmplices, em princípio, aqueles que aconselham profissionalmente os infratores. “Isso mostra que a simples produção do resultado ilícito coloca sob o mesmo manto de responsabilização toda uma coletividade por vários tipos diferentes de atuação”, observou.

 

Ele comentou, ainda, aspectos ideológicos do terrorismo. “O terrorismo atinge uma coletividade indiscriminadamente e, por isso mesmo, promove um sentimento de revolta e uma necessidade de recomposição de Justiça e até satisfação da vingança privada. E a vingança privada é o grande móvel que historicamente está no princípio das primeiras noções de responsabilidade objetiva.” Entretanto, ponderou que, “os mecanismos de responsabilização objetiva são válidos, mas é preciso que se tenha a sensação de proporcionalidade, pois não se mata uma mosca com um tiro de canhão”.

 

Garantias constitucionais da implementação das políticas públicas

 

Dentre os mecanismos de responsabilidade do Estado, o professor discorreu, finalmente, sobre políticas públicas. De acordo com ele, “políticas públicas não são promessas vãs ou propaganda política. São obrigações, e, como obrigação, a sua realização equivocada ou a sua não realização configura hipótese de responsabilização, pela qual o Estado deve ser chamado a responder. Se não as realiza, merece o confronto do controle jurisdicional.”

 

Sérgio Ferraz ensinou que a Constituição de 1998 não pôde dar o passo histórico da visão socializante do Estado, embora tenha andado bem perto. Ele lembrou que sua topografia revela, logo depois dos fundamentos e dos objetivos do Estado, as garantias individuais e, na sequência, os direitos sociais. “Essa ordenação absolutamente nova, muito semelhante a várias constituições europeias nascidas no pós-guerra, denota com nitidez a revalorização do indivíduo. Ela reflete a busca da satisfação dos interesses individuais através de mecanismos de ações coletivas, que buscam a realização individual de direitos difusos e coletivos.”

 

Adiante, afirmou que, a par da valorização individual, houve também uma preocupação com o “garantismo”, definido como um neologismo que consiste na criação e na efetiva aplicação de mecanismos que ampliem essas conquistas individuais. “Hoje, o que se faz é dizer que nenhuma das promessas estatais é uma simples e retórica proclamação de intenções. O que se busca é realizar aquilo que o Estado promete. Porque se as políticas significam comprometimentos, planos de ação cogentes, não se tem como deixar de aparelhar o segmento da estrutura estatal, que é o Judiciário, para controlar a implementação e a realização das políticas públicas em cada caso.”

 

Encerrando a palestra, o professor comentou que “o interesse público, na sua origem, é um somatório de interesses individuais, mas essa soma não é uma simples operação aritmética, pois se contamina de valores, das realidades possíveis e plausíveis. E a Constituição de 1988 demonstra que o indivíduo brasileiro pode considerar-se cercado de uma trama delicada mas muito eficiente de instrumentos e escudos que servem à realização de suas potencialidades individuais na busca da felicidade coletiva.”

 

ES (texto e fotos)


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