Violência contra a mulher como violação de direitos humanos é debatida na EPM

Os magistrados integrantes do Núcleo de Estudos em Direito da Mulher em Situação de Violência de Gênero, Doméstica e Familiar reuniram-se hoje (29), na EPM, para debater o tema “A violência contra mulher como violação de direitos humanos”. A reunião teve como expositora a juíza Camila de Jesus Mello Gonçalves, integrante do Núcleo e coordenadora da área de Filosofia e Direitos Humanos da EPM.

 

Camila Gonçalves anunciou como proposta da exposição “situar essa violência contra a mulher no contexto de proteção internacional, e discutir porque merece uma proteção especial, já que todos os seres humanos são igualmente dignos”. Ela discorreu sobre as etapas da afirmação da proteção aos direitos humanos – a positivação, a generalização e a internacionalização –, recordando, a princípio, a sua origem: “Ela nasce no contexto pós Segunda Guerra Mundial, porque o Estado nazista instrumentalizou por meio da lei a morte de pessoas. Quando o próprio Direito serviu de instrumento legitimador da ofensa e para negar a alguns seres humanos direitos básicos como a vida, a percepção da comunidade internacional foi que o Direito nacional era insuficiente para a proteção da pessoa, e que era preciso assegurar seus direitos básicos e impedir sua ‘descartabilidade’ de uma forma supranacional”.

 

Adiante, fez a explicitação da concepção contemporânea dessa “ideia dos direitos humanos como uma construção e não como um dado da natureza”, tomando como ponto de partida os enunciados gerais da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. “A partir da Declaração, a dignidade da pessoa passa a ter um valor intrínseco, criando-se uma universalidade da titularidade desse direito, percebido como indivisível, ou seja, a garantia dos direitos civis e políticos é condição para o exercício dos direitos econômicos, sociais e culturais”.

 

Falou ainda dos diferentes planos de proteção dos direitos humanos. Exemplificou com a integridade física, “tutelada no ordenamento do Código Civil (norma infraconstitucional) como “direito da personalidade”, amparado na Constituição como “direito fundamental”, e protegido nas convenções internacionais com o nome de “direitos humanos”.

 

Em prosseguimento, ela discorreu sobre a expansão do sistema protetivo aos direitos humanos, em que se transitou de uma categoria universalizante do Direito para a especificidade de regramentos, quando o sujeito passa a ser especificado e protegido em razão de sua vulnerabilidade. De acordo com Camila Gonçalves, a positivação desse direito universal, derivou do reconhecimento da insuficiência da enunciação abstrata e geral da igualdade e da ausência de poder de coerção da norma internacional, aliadas ao advento da noção de gênero, ao final da década de 1970 e começo da década de 1980, e da necessidade de combate à discriminação. Citou como exemplo, a percepção da distinção médica entre corpo biológico e comportamento social, como no caso dos transexuais.

 

A discriminação histórico-cultural da mulher

 

Ao falar sobre a especificação dos direitos da mulher, Camila Gonçalves recordou o marco da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), aprovada pela Organização das Nações Unidas em 1979 e ratificada pelo Brasil em 1984. A normativa internacional define a discriminação contra a mulher na distinção baseada no sexo, e traz em seu artigo 5º o compromisso de modificação dos padrões socioculturais baseados na ideia de superioridade e inferioridade. No âmbito interno, comentou a evolução das relações entre o gênero e o Direito. Citou o Código Civil de 1916, que impunha à mulher restrições para a guarda de filhos; o art. 326 da Lei 4.121/62, pela qual a guarda ficava com a mãe se ambos os cônjuges fossem culpados pela separação; o art. 224, que concede à mulher o direito de pedir alimentos. Já no âmbito do Direito Penal, comentou a mudança da tipificação do crime de violação sexual mediante fraude, que até 2005 referia a conjunção carnal com “mulher honesta”, depois com “mulher” e, na redação atual, para conjunção carnal com “alguém”.

 

Retomando a noção de gênero aplicada à mulher, a palestrante asseverou que, segundo a historiadora norte-americana Joan Wallach Scott (1941), “a noção de gênero designa relações sociais entre os sexos, rejeitando explicações biológicas e indicando a criação histórico-cultural das ideias sobre os papéis próprios de homens e mulheres”. E sustentou que a discriminação é uma diferenciação injusta ou ilegítima, irracional.

 

Valendo-se do arcabouço teórico do filósofo político Norberto Bobbio (1909-2004), explicou que, no caso da mulher, “sobrepôs-se uma diferença social sobre uma diferença biológica, de uma forma tão intensa que passou a ser difícil perceber a separação”. Ainda de acordo com o mesmo teórico, a percepção da desigualdade social é essencial para que essa desigualdade seja considerada eliminável. E tendo em vista que as mulheres perfazem mais da metade da humanidade, “talvez a única revolução verdadeira do século seja a dos direitos da mulher”.

 

Participaram do debate a desembargadora Angélica de Maria Mello de Almeida, coordenadora da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJSP (Comesp) e as coordenadoras do Núcleo, juízas Teresa Cristina Cabral Santana Rodrigues dos Santos e Maria Domitila Prado Manssur Domingos, além dos demais integrantes do núcleo.

 

Núcleo

 

Os debates do Núcleo de Estudos em Direito da Mulher em Situação de Violência de Gênero, Doméstica e Familiar foram iniciados em outubro de 2014, com palestra da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia Antunes Rocha e da conselheira do CNJ e desembargadora do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios Ana Maria Duarte Amarante Brito. Foram discutidos também os temas “Transformação da sociedade e suas implicações na esfera jurídica”; “Efetivação da Lei Maria da Penha nos tribunais estaduais”; “Vulnerabilidades, Direito e gênero”; “Fragilidade cultural da mulher e criação de mecanismos de autoproteção”; e “Feminicídio”.

 

ES (texto e fotos)

 


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